“Uma única certeza demora em mim: o que em nós já foi menino, não envelhecerá nunca”. Nas palavras do reconhecido escritor Mia Couto mora a esperança de que o ser criança pode e deve guiar a humanidade. E foi no solo do pensador moçambicano que desembarcou pela primeira vez o projeto Fraternidade Sem Fronteiras, gestado em 2009, na cidade de Campo Grande, em um longínquo Mato Grosso do Sul a partir da perspectiva geográfica africana.
O trabalho começou em 2010, comandado por Wagner Moura, fundador e presidente da Ong que hoje está presente em oito países, atende a 34 mil pessoas e oferece, todos os dias, 529 mil refeições. Para um mundo que tem fome, a assessoria de imprensa da organização destaca que o “principal objetivo é fazer um movimento para vivenciar e praticar a fraternidade sem restrições étnicas, geográficas ou religiosas, amparando prioritariamente crianças e jovens em situação de vulnerabilidade ou risco social”.
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Para chegar ao objetivo, Wagner Moura não ficou resignado às imagens dos corpos esquálidos de crianças vítimas da dor da fome. Em 2010, atuou para a criação do primeiro centro de acolhimento, em Moçambique. A região, como acentua a Fraternidade Sem Fronteiras, está localizada na porção mais pobre do mundo, a África Subsaariana, com 1 milhão de pessoas com fome, sendo 600 mil órfãos. São comuns, ainda, elevados índices de contaminação pelo HIV e malária, doenças desacompanhadas de assistência.
Como agentes de mudança, 400 pessoas cadastradas se mostraram dispostas a contribuir mensalmente para os propósitos da missão da Fraternidade Sem Fronteiras no primeiro ano. No ano seguinte, já eram mais de 4 mil. Hoje, de acordo com a assessoria de imprensa, 12 mil padrinhos movimentam as iniciativas em oito países: Brasil, Moçambique, Malawi, Madagascar, Senegal, República Democrática do Congo, Estados Unidos e Haiti. A ajuda é adaptada à realidade de cada país, considerando os meios locais de acesso à educação, à alimentação e à saúde.
Para saber mais sobre a Ong Fraternidade Sem Fronteiras basta clicar no link, mas também é possível tentar compreender as motivações do idealizador, o voluntário Wagner Moura:
O Jacaré – Como ocorreu esse impulso de ajudar as pessoas, de onde saiu e onde quer chegar?
Wagner Moura – Eu acredito que não seja impulso para ajudar as pessoas. Talvez seja um hábito. É um hábito que vem através de reflexões maduras, onde a gente consegue entender um pouco mais sobre o nosso real objetivo, qual o sentido da nossa vida, e onde você consegue também refletir numa família, numa família universal. Não faz sentido uns viverem tão bem e outros viverem tão mal. Esses que vivem tão bem são da natureza, né? Do espírito da fraternidade, que se movimentam para que os outros tenham o mínimo.
Isso, então, trata-se de uma vivência, de uma filosofia de fraternidade, onde se reconhece no outro um irmão e, a partir daí, é a movimentação continuada de apoio, não como uma ação simples de dar coisas às pessoas, mas antes de vivenciar o espírito de fraternidade, reconhecendo nos outros também a sua família, também seus irmãos, também seus pais, seus filhos, no sentido de uma grande família universal. Isso é um exercício, não tenhamos isso na sua integralidade, mas é um exercício que eu acredito que, uma vez que o façamos, a gente vai mudando as realidades, começando por nós mesmos e mudando uma realidade do mundo.
O Jacaré – Houve algum momento em que pensou em desistir?
Wagner Moura – Não! Desde o início do trabalho, mesmo em Campo Grande, essa possibilidade de desistência nunca existiu, porque, como eu disse, trata-se de um sentido de vida, um modelo de vida, uma filosofia de vida. Então, não faz sentido a desistência, uma vez que essa vivência da fraternidade está como um objetivo central da existência.
O Jacaré – Parece que a realidade ficou maior que o sonho e, nesse ponto, onde você ainda pretende chegar?
Wagner Moura – Onde queremos chegar? Nós queremos chegar sempre mais longe, porque hoje existe uma realidade extremamente dura, muito difícil. Existem crianças que estão morrendo de fome, doença, em pleno século 21. E isso é pouco conhecido ainda da humanidade. Hoje, são mais de 36 mil pessoas amparadas, sendo a maioria crianças. Quando a gente está no projeto, nos projetos da fraternidade, a gente vê que a necessidade é muito, muito, muito maior. E a gente tem que se esforçar cada vez mais, formando uma grande corrente de solidariedade, de amor e fraternidade, a fim de que a gente possa levar essa fraternidade para mais pessoas, para mais longe.
O Jacaré – Como é atuar em realidades tão diversas daquela a que você foi criado? Qual lição ele gostaria de compartilhar?
Wagner Moura – Realmente, o trabalho da Fraternidade Sem Fronteiras, ele está nas regiões mais desafiadoras do mundo. E a gente vê realidades inimagináveis. As pessoas não têm ideia do que acontece realmente no mundo, principalmente junto às crianças, às mulheres. E realmente é muito desafiador ver situações tão difíceis. Mas com o tempo, a gente vai… À medida que a gente consegue ajudar, há um alívio, porque a gente vê que está conseguindo movimentar, ajudar, mudar muitas realidades. E isso traz algum conforto, para que a gente possa ter mais ânimo e esperança de continuidade do trabalho.