Diretores, professores, educadores, vereadores, autoridades municipais e estaduais debateram os impactos da violência nas escolas em audiência pública na Câmara Municipal de Campo Grande, nesta segunda-feira (3). Entre os ‘diagnósticos’ para o problema estão a falta de autoridade de pais e responsáveis, falta de policiamento e reflexo de uma “sociedade doente”.
A doutora em Educação Eliane Castro Vilassanti abriu os debates usando o conhecido provérbio africano “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”, ou seja, é necessário esforço social coletivo, que envolve as famílias, para construir valores e instruir os jovens.
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“Da década de 90 para cá, houve uma mudança significativa no modelo de socialização escolar, e a gente sente muito isso como uma quebra de autoridade dos professores”, discursou a professora.
Eliane Castro, que é autora do livro “Saber Conviver na Escola”, afirma que a violência gera abandono escolar de estudantes, queda na frequência de alunos, adoecimento de professores, queda de desempenho, sentimento de impotência dos educadores, baixa qualidade e desvalorização da educação “no projeto de vida das pessoas”, que passam a não ver mais sentido nas escolas.
“Eu fui responsável por escrever um plano de segurança escolar da rede municipal de Belo Horizonte. Nesse plano de segurança, a questão central é: ‘Não é possível pensar um problema complexo produzindo uma resposta simples; é preciso ter, para um problema complexo, uma resposta complexa’”, relatou Eliane, ex-secretária de Educação da capital de Minas Gerais.
A doutora em Educação apresentou quatro eixos de propostas que devem nortear políticas públicas na área. A convivência escolar, que é a capacidade da escola de desenvolver “as competências sociais dos estudantes”; a segurança escolar, que deve ser tratada com os responsáveis pelo policiamento; as ocorrências graves, seja a situação concreta da violência ou a acidentes relacionados a estudantes; e, por último, trabalhar a “intersetorialidade”, que é tratar do ensino não apenas como responsabilidade dos professores.
Na sequência, a maior parte das falas foram voltadas a tentar entender os motivos da crescente violência nos estabelecimentos de ensino. “Não é um sintoma separado do que acontece na sociedade. A escola é um espaço coletivo de conhecimento, onde se refletem as diferenças sociais, culturais e é espaço de relação, onde surgem conflitos e disputas”, disse a coordenadora de Psicologia Educacional da Secretaria Estadual de Educação, Paola Nogueira Lopes.
“A violência é um processo histórico. Seu enfrentamento deve considerar particularidades, e não surge na escola, mas é onde se manifesta. As incivilidades parecem não receber a devida atenção dentro do ambiente escolar, mas podem ser tão ou mais danosas, pois comprometem a possibilidade de aprendizado e prejudicam as relações entre os estudantes, favorecendo um ambiente de insegurança e também de medo”, completou Paola.
Onivan de Lima Correa, coordenador-geral do Fórum Estadual de Educação, lembrou que os problemas que chegam à escola são oriundos de diversas camadas sociais.
“A violência no espaço da escola não vem de forma isolada, surge muitas vezes de fora. Problema com droga, ou psicossocial, com a família, enfim. Temos que estimular a questão de respeitar as diferenças. Fazermos debate, a cultura da paz, construindo um espaço que seja o bem estar do docente, do gestor, do administrativo, pessoas que atendem essas crianças e resolvem os conflitos. Pensar uns nos outros, em uma escola inclusiva”, defendeu Onivan.
Representante da comissão da “OAB vai à Escola” (Ordem dos Advogados do Brasil), a advogada Alice Adolfo explicou que “o ambiente escolar está sofrendo em virtude da falta de valores no ambiente doméstico”.
“Os pais estão delegando para os professores algo que não é função deles. Precisamos de solução imediata e a longo prazo. A imediata seria conter a violência, seja guarda nas escolas ou câmeras. A longo prazo, seria construir uma ideia de valores nobres nas crianças, trazer de volta as virtudes da ordem, do pudor, sem proibir as coisas”, declarou Alice.
O presidente da ACP (Sindicato Campo-Grandense dos Profissionais de Educação Pública), Gilvano Kunzler Bronzoni, disse que é dever da prefeitura oferecer segurança pública nas escolas.
“Temos um gasto considerável por isso. Não dá pra estarmos na escola, desprotegidos, sentindo que ninguém olha pelo professor. O papel da ACP é zelar pela valorização da escola pública. E não tem valorização com insegurança. A escola está triste, o professor está desvalorizado”, lamentou Gilvano .
“Nós precisamos de pessoas dentro das escolas que propõem políticas públicas para os nossos adolescentes que estão nos bairros, perdidos. Muitos de nós temos que não só acolher, mas adotar os alunos às vezes, porque a família lava as mãos e ficamos para poder cuidar deles. Precisamos reverter toda essa insegurança, nesse apoio e acolhimento que temos que fazer nas nossas unidades escolares. Precisamos sim voltar a identificar os valores e a consciência do respeito dentro do ambiente escolar”, disse Maria Lucia de Fátima de Oliveira, presidente do Conselho de Diretores e Diretores-adjuntos da Rede Municipal de Ensino.
Presidente da Fetems (Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul), Jaime Teixeira, retomou o aspecto da violência como reflexo do que ocorre fora dos estabelecimentos de ensino.
“A violência não é só na escola pública, tem na particular, na elite. A escola é ressonância dos problemas sociais que temos. Temos hoje uma sociedade mais doente, mais empobrecida, que deu espaço ao ódio, à violência, e à intolerância. A sociedade precisa trabalhar e reconstruir a tolerância e o diálogo”, relatou Jaime.