O juiz da 2ª Vara Criminal de Campo Grande, Eduardo Eugênio Siravegna Júnior, absolveu o ex-diretor-presidente do Departamento Estadual de Trânsito Carlos Henrique dos Santos Pereira, o ex-assessor do órão, Dante Carlos Vignoli, e os empresários João Roberto Baird, Adriano Aparecido Chiarapa e Raquel Braga Robaldo. Eles foram acusados pelos crimes de fraude à licitação, associação criminosa e peculato.
O ex-presidente do Detran-MS também respondia por corrupção passiva em um suposto esquema de desvio em dois contratos do Departamento de Trânsito em valores que somavam R$ 20,4 milhões, entre os anos de 2014 e 2016. Só Carlos Henrique teria recebido R$ 1,372 milhão, segundo a denúncia do Ministério Público Estadual, aceita em novembro de 2020.
Veja mais:
Juiz bloqueia R$ 19,5 mi de Baird, ex-presidente e empresas por suspeita de desvios no Detran
“Ancorada em provas”: TJ nega desbloqueio de R$ 19,5 milhões de Baird por desvios no Detran
Diretor do TCE e ex-presidentes do Detran e Assembleia viram réus por peculato, corrupção e organização criminosa
Em sentença de 45 páginas, o juiz Eduardo Eugênio Siravegna Junior rebateu as alegações do MPE e chegou a conclusão de que os indícios dos crimes apresentados “não foram suficientemente comprovados nos autos” em relação a todos os acusados.
Conforme a denúncia, o contrato firmado com o Consórcio REG-DOC, formado pelas empresas Itel Informática e AAC Serviços, tinha valor de R$ 73,022 milhões em cinco anos. Apesar de terem ganhado a licitação para receber R$ 106,67 por contrato de veículo com gravame, as empresas subcontrataram o serviço e pagaram apenas R$ 14,17 para a Master Case Digital. Ou seja, lucravam 86% do valor pago pelo Governo estadual.
O MPE aponta que os acusados, via superfaturamento e utilizando a subcontratação, desviaram a importância original de R$ 19.505.494,72. A acusação aponta ainda que o gasto do Detran com o serviço não passaria de R$ 500 mil ao longo de cinco anos, enquanto o Departamento de Trânsito pagaria R$ 73 milhões ao consórcio.
As ilegalidades teriam começado na licitação, já que o valor foi definido com base no preço repassado pela Itel Informática, do poderosíssimo empresário João Roberto Baird, conhecido como Bill Gates Pantaneiro.
Além da Itel, para definir o preço base, o Detran se baseou nas informações da Master Case (80% do valor da UFERMS) e da PSG Tecnologia Aplicada (79%). A primeira prestava serviços para a Itel. A segunda é de Antônio Celso Cortez, que foi denunciado junto com Baird na Operação Lama Asfáltica e sobreviveu a um acidente aéreo quando viajava na aeronave do empresário.
Em valores totais, o Detran pagou R$ 22,2 milhões para o Consórcio REC-DOC, enquanto a Master recebeu R$ 2,710 milhões. O magistrado não viu provas suficientes para condenar os denunciados.
“Nesta dicção, examinando com atenção o arcabouço probatório carreado aos autos, visualiza-se que os indícios apontados pelo órgão ministerial não estão lastreados em elementos de prova cuja solidez permita o decreto condenatório vindicado na inicial acusatória”, diz Eduardo Siravegna Junior.
Para o magistrado, não foi elucidado, “com a clareza necessária”, que a relação entre os acusados tenha motivado a irregularidade na formação do preço, cuja existência teria, supostamente, resultado no superfaturamento.
“Não se evidencia, igualmente, que as alegadas irregularidades tenham sido comandadas ou direcionadas pelos acusados Carlos Henrique, Dante Carlos e João Roberto, isso porque a apuração do preço da licitação passou por dois órgão distintos”, detalha.
Um dos órgãos é o Setor de Licitação do Detran-MS e o outro, a Superintendência de Gestão de Informação da Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz), essa última sem nenhum vínculo hierárquico com o Departamento de Trânsito, logo, fora da esfera de influência de Carlos Henrique e Dante Carlos.
“No tocante à conclusão do Parquet de que o preço do serviço licitado teria sido dolosamente ajustado entre as empresas Master Case (Alcir Nantes), Itel (acusado João Roberto) e PSG (Celso Cortez), registre-se não haver nos autos qualquer manifestação do citado Alcir Nantes sobre os fatos alegados pelo Ministério Público”, afirma o magistrado.
“Nessa toada, o articulado pelo órgão acusador sobre o suposto conluio entre os “empresários parceiros” e o fato de que João Roberto exercia papel dominante no ajuste dos preços da licitação não encontra amparo probatório”, prossegue.
O juiz diz ainda que o MPE aponta a relação entre as empresas Itel e PSG baseando parte de suas conclusões em reportagens que apontam o “vínculo direto de amizade e profissional, vínculo indireto através de Ricardo F. Araújo (sócio de Cortez e ex-sócio de Baird). João Baird e Celso Cortez figuram como réus na Lama Asfáltica (mesmo núcleo de Puccinelli)”.
Em relação às empresas Master Case e e AAC (Raquel Robaldo e Adriano Aparecido Chiarapa) o Ministério Público aponta que a primeira teria prestado serviços para a segunda, além da existência de “amizade” entre Adriano Aparecido e Alcir Nantes, demonstrada por dois “comentários” de Adriano Aparecido em fotos divulgadas em rede social, uma publicada por Alcir e outra por Wison Bento, segundo o magistrado.
Quanto ao vínculo entre a empresa PSG e a AAC, o MPE aponta haver “vínculo indireto através de Ricardo Fernandes de Araújo. Raquel e Ricardo fazem parte do consórcio REG-DOC. Este último é sócio direto de Cortez.
“Ocorre que nos autos não há qualquer elemento de prova vinculado Ricardo Fernandes de Araújo ao consórcio REG-DOC (empresa que venceu a licitação em questão). Aliás, Ricardo Fernandes sequer foi ouvido no presente feito”, diz Eduardo Siravegna Junior.
Sobre Carlos Henrique e Dante Carlos, a acusação aponta que o primeiro figuraria no quadro social da empresa “Even Educacion” juntamente com Alcir Nantes (Master Case) e Daniel Nantes Abuchaim (Superintendente de Gestão de Informação da Secretaria de Estado de Fazenda – SGI/SEFAZ).
“No entanto, a despeito de ter se apontado o número do CNPJ e a constituição do quadro social da empresa, não se trouxe a informação da data de sua constituição, tampouco se comprovou que essa tenha sido beneficiada ou destinatária de valores advindos do alegado desvio de recursos”, rebate o magistrado.
Quanto à relação entre Dante Carlos e Daniel Nantes, ambos figuravam no quadro societário de duas empresas, sendo que uma delas teria iniciado suas atividades um mês antes, em maio de 2013, da confecção da justificativa de solicitação da licitação, ocorrida no fim de junho daquele ano.
“Todavia, não se demonstra nos autos qualquer relação dessas com os fatos objeto do presente feito, nem que alguma dessas empresas tenha sido beneficiada ou foi destinatária de recursos (dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel) desviados”, considerou o juiz.
“Todavia, esses “vínculos” são indícios que os acusados podem ter se unido para exercerem atividade econômica em conjunto (exploração de determinado nicho de mercado), cuja eventual responsabilização penal exige a comprovação de comportamento típico por parte das empresas e de seus sócios, fator esse não evidenciado no presente feito”, explica o magistrado em sua sentença.
Desvio de recursos
Em relação às movimentações financeiras, o juiz Eduardo Siravegna Junior informa que o MPE aponta “expressiva movimentação de alguns” dos investigados, mas, segundo ele, não esclarece qual movimentação, valores e a quem se refere.
A PSG e AAC teriam transferido “vultuosas quantias para seu sócios ou pessoas ligadas ao grupo”, mas a acusação não menciona, segundo a sentença, a quais “pessoas ligadas ao grupo” está se referindo.
O MPE indica a ocorrência de “algumas transferências a pessoas que, em análise preliminar, não teriam capacidade econômica”, porém não identifica nenhum dos acusados deste feito; e remata registrando a presença de atipicidade de “algumas operações”, sem indicar quais, diz o juiz.
O magistrado também rebate a tese de desvio de recursos, que foi baseada em dois eixos: o primeiro na desnecessidade da contratação do serviço objeto da licitação e o segundo, no alegado superfaturamento do preço pelo serviço.
Entre os serviços do Detran está o registro (arquivamento) dos contratos das espécies arroladas, a realização de descrição da existência do gravame no campo de observações do CRV, e a análise dos dados e documentos enviados, visando a eventual detecção de situações irregulares, com posterior instauração de processo administrativo para exclusão do gravame.
“Logo, a atribuição das entidades estaduais de trânsito não se restringia ao mero “arquivamento”, como alega a acusação”, diz o magistrado. “Restou demonstrado nos autos que a execução das determinações da mencionada resolução exigiria o desenvolvimento de software para recepção, tratamento e disponibilização para exame dos danos e documentos enviados pela CETIP/SNG e instituições financeiras”.
“Neste contexto, infere-se que o atendimento das novas atribuições criadas pela Resolução 320/2009 do CONTRAN exigia a complementação estrutural (pessoal, software e hardware) do DETRAN/MS, considerando o elevado número de dados e documentos a serem analisados (aproximadamente 7.500 contratos por mês) num lapso temporal relativamente curto, porque o gravame correspondente deveria constar no campo de observações do CRV do veículo, cuja expedição é realizada pelo DETRAN”, prossegue.
“Destarte, a tese de desnecessidade da contratação do serviço objeto do procedimento licitatório em comento não se coaduna com o conjunto probatório construído nos autos”, conclui.
Quanto ao superfaturamento do serviço e subcontratação, o juiz aponta ser “insustentável” a conclusão do MPE de que o objeto do contrato n.° 017/2013, firmado entre as empresas AAC e Master Case teria esgotado o objeto do contrato administrativo n.° 3263/2014. Isso porque, o primeiro abrangeu somente a parte operacional do contrato administrativo.
Ou seja, a Master Case subcontratada não assumiu a responsabilidade de implementar (fornecer e disponibilizar) e dar manutenção em sistema dedicado à realização do serviço, restando apenas a parte operacional do serviço (recebimento, digitalização, indexação, cadastramento dos dados e documentos relacionados aos contratos, emissão e impressão de certidões nos padrões exigidos).
“Assim sendo, o argumento de que o contrato particular de prestação de serviço n.° 017/2013 esgotaria o objeto do termo de referência da licitação discutida não se concatena com os elementos de prova trazidos ao feito”, explica.
“De outro giro, o argumento da acusação de que o custo total do serviço, equipamentos e mão de obra não ultrapassaria, para toda vigência contratual, o patamar de R$ 500.000,00, não encontra lastro em nenhum elemento de prova produzido nos autos, pois baseado em declarações preliminares e afirmações informais, prestadas durante a fase investigativa (Gerson Tomi e Fernando Roger Daga: não ouvidos em juízo; e Robson Danilo Antunes Lui: ouvido em juízo não reproduz a declaração citada)”, relata o juiz.
“Neste cenário, ante a fundada dúvida acerca da materialidade e da autoria atribuída aos acusados, esses devem ser absolvidos da pretensão condenatória em comento, em homenagem ao princípio constitucional da presunção da não culpabilidade (in dubio pro reo)”, finaliza o juiz Eduardo Eugênio Siravegna Junior ao abordar o crime de peculato, em sentença do último dia 2 de setembro.
Carlos Henrique dos Santos Pereira, Dante Carlos Vignoli, João Roberto Baird, Adriano Aparecido Chiarapa e Raquel Braga Robaldo ainda respondem pelos mesmos fatos em denúncia por improbidade administrativa na 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.
O advogado Ronaldo Franco, que defende o ex-assessor do Detran, acredita em nova decisão favorável na esfera cível. “A defesa de Dante Carlos Vignoli nunca teve dúvida de que ao final haveria a ABSOLVIÇÃO, infelizmente os danos decorrentes das medidas cautelares e exposição midiática, inclusive com busca e apreensão na residência, nunca serão esquecidos”.
O Ministério Público Estadual pode recorrer da sentença.