Contestado desde a fase de licitação, realizada no ano em que Nelsinho Trad (PSD) se despedia da prefeitura de Campo Grande, o contrato bilionário entre o município e a concessionária CG Solurb completa dez anos com saúde invejável.
Na última década, já sobreviveu a cancelamento da Justiça, anulação por decreto do então prefeito Alcides Bernal (Progressista) e suspeitas de corrupção onde a PF (Polícia Federal) mira conselheiro do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado). Nesse passo, caminha para cumprir a previsão de conclusão em 2037, numa jornada de R$ 1,3 bilhão de recursos públicos, sem correção.
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No dia 24 de outubro de 2012, o Diogrande (Diário Oficial de Campo Grande) anunciou que a licitação do lixo foi vencida pelo Consórcio CG Solurb, formado pelas empresas Financial Construtora Industrial Ltda (empresa líder) e LD Construções Ltda. A Financial já tinha sido responsável pela coleta do lixo na Capital entre 2005 e 2012.
Em 21 de dezembro de 2012, a coleta do lixo efetivamente passou para a CG Solurb. Ainda naquele mês, o lixão, que estava em atividade desde 1984 no bairro Dom Antônio Barbosa, na saída para Sidrolândia, foi desativado. Os resíduos sólidos passaram a ser levados para o aterro sanitário, localizado no mesmo bairro.
Três anos depois, a operação Lama Asfáltica, maior ofensiva da PF contra a corrupção em Mato Grosso do Sul, apontou que a CG Solurb não tinha o patrimônio mínimo exigido para concorrer a licitação em 2012, configurando fraude. Participante do consórcio, a LD Construções é de Luciano Potrich Dolzan, genro do empresário João Amorim, dono da Proteco Construções.
Peritos constataram que houve mistura de patrimônio da LD e da Proteco. Veículos declarados como da concessionária eram na verdade da empresa de Amorim.
Durante audiência da operação Coffee Break, o ex-vereador Paulo Siufi disse conhecer Amorim e declarou que a Solurb era de propriedade do empresário. A afirmação fez coro à suspeita da PF de que o dono da Proteco é um dos verdadeiros proprietários da empresa responsável pela coleta do lixo na Capital.
A três dias do fim do mandato, em 28 de dezembro de 2016, o prefeito Alcides Bernal rompeu o contrato do lixo diante da suspeita de fraude. A Solurb recorreu ao Tribunal de Contas do Estado e obteve liminar, concedida por Ronaldo Chadid no dia 2 de janeiro de 2017, para anular o decreto. Para a investigação, o conselheiro cometeu “erro grosseiro”. Desde o ano passado, Chadid já foi alvo de duas operações autorizadas pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça): Mineração e Terceirização de Ouro.
Ainda em 2021, o juiz David de Oliveira Gomes Filho, que era titular da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, determinou a anulação do contrato e estipulou a data do fim: 10 de janeiro de 2022.
O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) entrou com ação em março de 2018. O promotor Adriano Lobo Viana de Resende alegou que houve direcionamento licitatório, desvio de recurso público e pagamento de propina a agente público.
Ainda segundo a denúncia, as empresas que formam o contrato fizeram aumento de capital “irreal e premeditado” em 2011, um ano antes da licitação ser lançada pela prefeitura.
A promotoria também apontou laços familiares. Luciano Dolzan é casado com Ana Paula, filha de João Amorim, que por sua vez é irmão de Maria Antonieta, que em 2012 era esposa do prefeito Nelsinho Trad.
A então primeira-dama era sócia da empresa Areias Pantanal e recebeu empréstimo da sobrinha Ana Paula para pagar a compra da Fazenda Papagaio, localizada em Porto Murtinho.
“A fazenda foi paga em prestações nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015, com pagamentos efetuados por meio de cheques e de transferências bancárias saídas da conta da Sra. Ana Paula Amorim Dolzan. A Sra. Ana Paula recebeu este dinheiro da empresa requerida LD Construções e da empresa Proteco (propriedade de João Amorim). Assim, os pagamentos feitos pela compra da Fazenda Papagaio partiram, na maioria, da conta bancária de Ana Paula, que era alimentada pelos requeridos João Amorim e Luciano Potrich”, afirma a acusação.
A sentença também determinou bloqueio de até R$ 94 milhões para cinco pessoas, incluindo Nelsinho Trad e João Amorim. A decisão do juiz foi derrubada em maio pelo TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), “ressuscitando” o contrato.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça ameaçou impor multa de R$ 20 milhões à prefeitura de Campo Grande caso insista em derrubar a ação popular de um mecânico que contesta a contratação da Solurb. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul determinou o julgamento do caso, mas o município quer manter a decisão de primeira instância, que extinguiu o processo sem julgamento do mérito.