Com o enfraquecimento da Lei de Improbidade Administrativa, o Ministério Público Estadual decidiu usar a Lei Anticorrupção, aprovada em 2013, para tentar punir as empresas envolvidas no superfaturamento de cestas básicas para o Governo de Mato Grosso do Sul. De acordo com a denúncia, houve fraude no certame, superfaturamento e dano de R$ 2,340 milhões aos cofres estaduais. No total, o Governo do PSDB pagou R$ 5,820 milhões pelos alimentos distribuídos para 60 mil famílias durante a pandemia da covid-19.
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No dia 22 de junho deste ano, o promotor Adriano Lobo Viana de Resende protocolou a Ação de Responsabilização da Pessoa Jurídica Infratora, um instrumento novo criado pela Lei 12.846, sancionada pela presidente Dilma Rousseff (PT) em 2013. Ele pede a devolução do dinheiro desviado, R$ 2,340 milhões e a aplicação de multa no mesmo valor (R$ 2,3 milhões).
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“No ano de 2020, nesta capital, as requeridas TAVARES & SOARES LTDA. e MD RAHIM COMERCIO E SERVIÇOS EPP. fraudaram o Processo Administrativo de Dispensa de Licitação n. 65/000361/2020, para compra de cestas básicas, e contrato dele decorrente, notadamente ao direcionarem, injustamente, a contratação em favor da empresa Tavares & Soares com participação oculta da empresa MD Rahim, e praticarem a elevação arbitrária de preços, causando efetivo dano ao patrimônio público e enriquecimento ilícito”, denunciou o promotor.
“O cálculo foi realizado com base nos preços constantes nos pedidos de cesta básica da própria Tavares & Soares, além de cotações ofertadas a outros órgãos, apreendidos na sede da empresa e que seguem em anexo ao presente”, argumenta o MPE.
O escândalo mostra que nem a verba destinada para ajudar famílias na miséria e atingidas pela pandemia, a maior em 100 anos, sensibilizou autoridades e empresários. Enquanto para uns a cesta básica garantiu a comida, para outros foi uma oportunidade de ficar mais rico.
O Governo decidiu realizar a compra emergencial das cestas básicas. Só que as propostas de preços foram cotadas pela Farturão, dos empresários Marcos Flávio Tavares e Ticiana Soares. O servidor Stênio Brito Macedo pediu a cotação para Celso Rodrigues Ferreira, funcionário do Farturão.
Conforme a denúncia, Ferreira acabou preenchendo das cinco propostas e pegando a assinatura dos donos de cinco empresas entre 10h48 e 12h05 do dia 2 de abril de 20202. “A montagem realizada por Celso Rodrigues Ferreira é tão visível que reproduziu, nas propostas fraudadas e apresentadas no procedimento, todas com mesma data, o mesmo erro de escrita, erro este também identificado acima, no e-mail de Celso Rodrigues Ferreira, qual seja: ao invés de redigido PROPOSTA DE PREÇO, todas as propostas apresentadas vieram com o nome ROPOSTA DE PREÇO”, frisou Resende.
Os valores das cestas básicas oscilaram entre R$ 97 e R$ 122. Obviamente, a menor proposta era da Farturão, que elaborou todas as propostas. “Quanto à MD Rahim, inicialmente, conforme prova documental acima referida, Mamed Dib Rahim, representante da empresa MD Rahim, também foi signatário de uma proposta elaborada pela empresa Tavares & Soares, forjando uma falsa pesquisa de preços, meio fraudulento pelo qual atuou dolosamente no sentido de direcionar a compra pública e levar ao sobrepreço. Mas além de atuar nesta fase do procedimento de contratação, Mamed e sua empresa surgem como participantes ocultos do contrato administrativo, atuando conjuntamente com a empresa Tavares & Soares na execução do objeto contratado”, destacou.
Das 60 mil cestas, a empresa de Mamed Rahim entregou 50%. A outra metade foi entregue pela empresa de Tavares. A competência dos empresários impressiona. O Governo de Reinaldo Azambuja abriu oficialmente a compra das cestas no dia 2 de abril de 2020, no dia 30 de março, os donos da empresa já estavam a procura de fornecedores para comprar as 60 mil cestas básicas.
“Resta inquestionável o fato de que os proprietários da Farturão tinham acesso ao documento antes mesmo dele ser finalizado e de ser formalizado o Processo de Dispensa de Licitação, o que só ocorreu em 02 de abril de 2020, isto é, tinham acesso antes da existência formal do documento nos autos do procedimento administrativo. Em conclusão, resta evidente a obtenção de informações privilegiadas, o tráfico de influência e o prévio acordo para fraudarem o procedimento administrativo, com vistas a contratação formal da empresa Tavares & Soares, e participação oculta da empresa MD Rahim, ainda praticando o superfaturamento/lesão aos cofres públicos”, conta o promotor.
Uma hora após a entrega das propostas de preços, Marcos e Ticiana já estavam formalizando a compra de arroz, feijão e macarrão para montar as cestas básicas.
“E importante destacar que este conluio é anterior a tudo já referido. Não se trata de um favor feito pelo empresário à contratada apenas no curso da execução contratual, justificativa dada em depoimento por Marcos Flávio Tavares, mas se trata sim de acerto firmado antes mesmo do procedimento administrativo e da contratação!”, apontou Adriano Lobo.
O servidor da Sedhast chegou a verificar a ata de preços de alimentos do Governo, mas não anexou a tabela apontando o superfaturamento de 60%. Esta tabela, aliás, foi apreendida na sede de uma das empresas envolvidas durante a Operação Penúria.
A denúncia tramita na 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos. O juiz Alexandre Corrêa Leite já decretou o bloqueio de R$ 2,340 milhões das empresas. O Tribunal de Justiça acatou pedido do Farturão e liberou as contas bancárias, restringindo o sequestro aos bens imóveis e veículos.