A juíza substituta Júlia Cavalcante Silva Barbosa, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, recebeu, de novo, a denúncia por lavagem de dinheiro contra o empresário João Amorim, a sócia, Elza Cristina Araújo dos Santos, e as três filhas – Ana Paula, Ana Lúcia e Renata. Depois de intervir no processo a favor dos réus e suspendê-lo por sete vezes, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região anulou todas as decisões do juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, considerado suspeito.
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Com a decisão, publicada nesta sexta-feira (24), dia de São João Batista, padroeiro contra a dor de cabeça, a magistrada ressuscita Operação Lama Asfáltica, um dos maiores escândalos de corrupção de Mato Grosso do Sul, que tinha sido praticamente sepultada pela 5ª Turma do TRF3.
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Desde julho de 2016, quando a denúncia foi protocolada pelo Ministério Público Federal, a ação contra Amorim, Elza e as filhas do poderosíssimo empresário – Ana Paula Amorim Dolzan, Ana Lúcia Amorim e Renata Amorim Agnoleto, tramita a muito custo na Justiça Federal. A pá de cal foi jogada pelo TRF3 quando declarou o juiz Bruno Cezar suspeito por ter adotado uma atuação inquisitorial, detalhista e ter feito 40 perguntas para uma testemunha.
“Assim, na qualidade de Juíza Federal Substituta da 3ª Vara Federal de Campo Grande/MS, assumo a presidência do processo e passo à análise da denúncia oferecida”, avisou Júlia Cavalcante, no início do despacho com data de quarta-feira (22), mas publicado hoje.
“Verifico que a peça acusatória preenche todos os requisitos formais insculpidos no artigo 41 do Código de Processo Penal, descrevendo os fatos, em tese, delituosos, com todas as suas circunstâncias e apontando a existência de elementos indiciários demonstrativos da autoria do delito pelos denunciados”, ressaltou, sinalizando que há evidências dos crimes.
“A denúncia (ID 24548674, p. 1-51) descreve a existência de uma organização criminosa, composta por políticos, funcionários públicos e administradores de empresas contratadas pela Administração Pública, que teria funcionado, por vários anos, ao menos entre 2007 e 2014, no seio do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso do Sul, especialmente junto à Secretaria Estadual de Obras Públicas e Transportes, voltada ao desvio de recursos públicos provenientes do erário estadual, federal e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Estadual (BNDES)”, relembrou, sobre a denúncia que marca a gestão de André Puccinelli (MDB).
Conforme o MPF, o dinheiro desviado dos cofres públicos foi aplicado pela família do empresário na compra de propriedades rurais. A Fazenda Jacaré de Chifre, em Porto Murtinho, foi adquirida de José Jacinto Neto por R$ 30 milhões, divididos em sete parcelas. Já a Fazenda Santa Laura, em Jaraguari, foi comprada por R$ 3,858 milhões em 12 vezes de Evaldo Lelis Soares e sua esposa.
“Segundo a denúncia, mesmo após a quitação, a Fazenda Santa Laura permaneceu em nome de Evaldo Lelis Soares, o que demonstraria uma atuação voltada à ocultação e dissimulação da origem, disposição, movimentação e propriedade dos recursos desviados. Em depoimento policial, Evaldo disse que toda a negociação de compra e venda do imóvel ocorreu com JOÃO AMORIM, desconhecendo o vendedor qualquer das filhas do acusado. Asseverou também que parte dos valores foi pago utilizando dinheiro em espécie, e que os pagamentos das parcelas eram tratados diretamente com JOÃO ou com ELZA, ficando esta última encarregada de entregar o dinheiro”, destacou juíza.
Oficialmente, as propriedades foram adquiridas pela Idalina Patrimonial, em nome das três filhas de Amorim. No entanto, o empresário tinha produção para fazer os negócios em nome da agropecuária.
“No caso sub examine não se vislumbra a ocorrência de qualquer das hipóteses de rejeição descritas no artigo 395 do Código de Processo Penal. Ressalto que, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a aptidão da denúncia relativa ao crime de lavagem de dinheiro não exige uma descrição exaustiva e pormenorizada do suposto crime prévio, bastando, com relação às condutas praticadas antes da Lei 12.683/12, a presença de indícios suficientes de que o objeto material da lavagem seja proveniente, direta ou indiretamente, de uma daquelas infrações penais mencionadas nos incisos do art. 1º da Lei 9.613/98. (APn 923/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 23/09/2019, DJe 26/09/2019)”, justificou-se a magistrada, no esforço para não deixar brecha para que o processo seja, novamente, anulado.
“No caso, os diálogos interceptados e as irregularidades apuradas pela CGU nas contratações referidas no item 6 ‘supra’ constituem suficientes indícios da ocorrência anterior de fatos que se amoldam, em tese, a tipos penais que descrevem crimes contra a Administração Pública”, frisou.
“Ante o exposto, com base no art. 396 do Código de Processo Penal RECEBO A DENÚNCIA, pois verifico, em sede de cognição sumária, que a acusação está lastreada em razoável suporte probatório, dando conta da existência das infrações penais descritas e dos indícios de autoria a elas correspondentes, caracterizando com isso a justa causa para a ação penal em desfavor de JOÃO ALBERTO KRAMPE AMORIM, ANA PAULA AMORIM DOLZAN, ANA LUCIA AMORIM, RENATA AMORIM AGNOLETTO e ELZA CRISTINA ARAÚJO DOS SANTOS”, concluiu.
O processo foi anulado pelo TRF3 na fase final. O juiz Bruno Cezar já tinha marcado o interrogatório dos réus e estava concluindo o julgamento. No entanto, com a anulação pelo relator, desembargador Paulo Fontes, com o apoio da 5ª Turma, o processo recomeça do zero, com o recebimento da denúncia, manifestação da defesa, contestação do MPF e agendamento de novo julgamento.
A PF apontou indícios de que houve o desvio de uma fortuna durante a administração de Puccinelli entre 2007 e 2014. O emedebista, que pretende ser candidato novamente neste ano, nega qualquer irregularidade e acusa ser vítima de perseguição política.
Em sete anos de investigação, o ex-secretário estadual de Obras, Edson Giroto, já foi condenado em duas sentenças. A primeira chegou a ser mantida pelo TRF3, mas a pena foi reduzida.