A ministra Laurita Vaz, do Superior Tribunal de Justiça, descreve em detalhes o esquema e os indícios do pagamento de propina pela JBS para negar habeas corpus para trancar a ação penal contra o ex-governador André Puccinelli (MDB). Em despacho publicado nesta sexta-feira (3), ela frisa que a denúncia do Ministério Público Estadual não está baseada apenas nas delações premiadas, mas em provas autônomas.
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“Reforço que a petição inicial acusatória destaca as declarações dos delatores, porém, os indícios da prática ilícita são completados por elementos autônomos. Em outras palavras, diversamente do que assinala da Defesa, o recebimento da denúncia não está lastreado apenas em declarações de colaboradores. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso ordinário em habeas corpus”, diz a relatora da Operação Lama Asfáltica no STJ.
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“Diferentemente do que alega o Recorrente, a denúncia não está lastreada, exclusivamente, nas declarações de agente colaborador. Na verdade, o envolvimento do Recorrente com suposto esquema de corrupção também está sinalizado por elementos de prova autônomos. Ao se ler a denúncia, constata-se que Ministério Público indica que consta de interceptação telefônica, autorizada em conformidade com os ditames legais, que o Agente apontado como intermediário do Recorrente viabilizou que ele se encontrasse com um empresário para tratar do recebimento de vantagem ilícita”, ressaltou.
Pré-candidato a governador do Estado, o emedebista conseguiu tirar a denúncia da 3ª Vara Federal de Campo Grande na véspera do início do julgamento, marcado para abril de 2019, pelo juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira. O MPE ratificou a denúncia. O juiz Roberto Ferreira Filho, da 1ª Vara Criminal de Campo Grande, recebeu a denúncia contra o ex-governador pelo pagamento de aproximadamente R$ 25 milhões em propinas em troca de incentivos fiscais.
A turma do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul negou pedido do batalhão de advogados do ex-governador para trancar a ação penal – ou seja, na prática, enviá-la para sempre para os arquivos do Poder Judiciário. No entanto, a corte manteve o processo contra o emedebista.
“Necessário o recebimento da denúncia, pena de cercear-se o direito que tem a sociedade de ver apurados fatos de tamanha relevância, motivo pelo qual, especialmente no nascedouro da ação penal, a exigência de prova plena, direta, a exemplo da pericial, além de violar o sistema do livre convencimento motivado (art. 155 do CPP), praticamente impossibilita a efetividade da repressão a delitos como os aqui referidos, naturalmente praticados na clandestinidade e amparados por sistema altamente complexo, tendente a dificultar tanto a investigação quanto a apuração da autoria”, anotou o relator do acórdão, conforme trecho destacado por Laurita.
Os advogados de André ingressaram com habeas corpus para trancar a ação penal. “Neste recurso, alega a ausência de lastro probatório mínimo, pois a denúncia está amparada em declarações de Réus colaboradores, elemento que não se revela apto a deflagrar a ação penal”, citou a magistrada. Eles alegaram que “os únicos elementos apontados como indícios de autoria, além dos acordos de delação premiada, são as declarações, colhidas em sede policial”.
Para rebater a tese da defesa, a ministra cita interceptações telefônicas entre Joesley Batista e o ex-secretário-adjunto de Fazenda, André Cance, que teria substituído Ivanildo da Cunha Miranda como operador do emedebista no esquema. Eles acertam uma reunião no dia 18 de dezembro de 2014, na qual teria ficado acertado o pagamento de R$ 6 milhões em propinas.
“Diante de todos esses elementos, fica bastante claro que, em 18 de dezembro de 2014, de fato, houve um encontro entre [A P] e [J B], intermediado por [A L C]. Sendo que o agendamento e a realização de tal encontro vem a reforçar os relatos de [D A DE C] e [J B] no sentido de que houve um acerto na questão das propinas; nas palavras de [J]: ‘meio que um acerto final de contas com ele [A P] onde eu fiquei de dar mais R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais)’”, anotou a relatora.
Em outro trecho, Laurita Vaz descreve o acerto para o pagamento de R$ 5 milhões em propina, que teriam sido feito por meio de doação eleitoral oficial. Na época, empresas poderiam contribuir com as campanhas eleitorais. A grana consta da declaração feita à Justiça Eleitoral pelo MDB em 2014.
Ela destaca a planilha da propina encontrada na JBS, na qual a empresa tinha anotado nos mínimos detalhes os incentivos dados pelo Estado de Mato Grosso do Sul e o valor repassado aos réus. A Gráfica Alvorada emitiu nota de R$ 2.112.721, exatamente no mesmo montante da propina anotada na lista.
Em outro caso há o pagamento de R$ 9,5 milhões por meio de várias notas fiscais para simular a locação de máquinas da Proteco, do empresário João Amorim. Ainda há o repasse de R$ 1 milhão por meio de doleiros do Uruguai.
A PF descobriu também que o ex-governador não tinha linha telefônica e usava os telefones de assessores. “Em depoimento perante à PF, [C R DE O] confirmou ser o titular da linha […], bem assim que o então Governador [A P] não possuía aparelho de telefone celular próprio e que todas as ligações eram feitas para o telefone funcional da viatura ou, excepcionalmente, para o celular particular do chefe de equipe de segurança”, ressaltou a ministra.
“Há a demonstração de indícios que apontam a existência de complexa teia que liga, em tese, o Recorrente aos atos ilícitos apontados pelo Ministério Público, de modo que não se visualiza constrangimento ilegal no recebimento da denúncia”, concluiu Laurita Vaz.
Com a decisão, ela mantém a denúncia da prática de corrupção passiva por 32 vezes, ocultação de bens por 32 vezes, com o agravante de ser funcionário público e por meio de organização criminosa.
Conforme a delação premiada da JBS, o esquema teria sido mantido pelo atual governador Reinaldo Azambuja (PSDB). O tucano foi denunciado pelo MPF por ter recebido R$ 67,791 milhões em propinas em troca de incentivos fiscais em 2015 e 2016. O esquema parou com a revelação em maio de 2017.
Reinaldo e André negam as acusações. Os fãs e seguidores de ambos se sentem incomodados com a insistência de parte da imprensa em acompanhar a movimentação do processo. Como diz o ditado popular, só falta combinar com os russos, no caso a PF, o MPE, o MPF, o juiz, o TJ e o STJ.