O Governo de Mato Grosso do Sul comprou R$ 599.800 em máscaras modelo N95 na chegada da pandemia, em abril do ano passado, mas o material não tinha qualidade para ser utilizado pelos profissionais de Saúde. E não foi só: o produto tem escandalosa suspeita de falsificação. Os dados são de relatório da CGU (Controladoria-Geral da União), que verificou a regularidade na aplicação de recursos repassados pelo FNS (Fundo Nacional de Saúde) ao Estado para combate da covid.
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As 20 mil máscaras foram compradas da Mega Comércio de Produtos Hospitalares com dispensa de licitação. O Termo de Referência do processo 27/000.989/2020 estipulou que as máscaras do tipo N95 deveriam ter válvula de exalação. O mesmo documento informa que o material seria destinado a profissionais de Saúde que aplicariam os testes rápidos em pacientes, bem como pelos profissionais do Laboratório Central e Laboratório do Hospital Regional Rosa Pedrossian, referência para tratamento da doença.
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Entretanto, as máscaras não tinha a válvula e, durante inspeção no HR, constatou-se que não eram utilizadas pelos profissionais de Saúde, “tendo em vista que não atendem as necessidades de tais profissionais”. As máscaras foram distribuídas para pacientes e acompanhantes.
O relatório destaca que está “demonstrado que as máscaras adquiridas não atenderam o objetivo do termo de referência e se tornaram máscaras descartáveis de uso dos pacientes, ao custo de aproximadamente R$ 30,00 por unidade”.
Falsificação
A vistoria também levantou suspeita sobre falsificação. A embalagem informa que a fabricante das máscaras é a empresa Biolux. Na sequência, aparece a numeração do CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica). Porém, conforme o relatório da CGU, o cadastro impresso na embalagem é de uma empresa de Ipatinga (Minas Gerais), baixada desde 2015 e cuja principal atividade econômica era fabricação de chá e mate (produtos para infusão).
Já o número de autorização de funcionamento da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) remete a outra empresa, localizada no Rio de Janeiro. Por fim, consulta à base de dados da Receita Federal mostra somente uma empresa com nome Biolux, que tem sede em Pinhais (Paraná) e que comercializa produtos higiênicos.
“Do exposto, há fortes indicativos de que as máscaras do tipo N95 entregues pela Mega Comércio de Produtos Hospitalares sejam produtos falsificados, o que põe em dúvida a efetividade de proteção da máscara que foi adquirida para ser utilizada por profissionais de saúde da linha de frente do combate à pandemia da Covid-19”.
Se complicou
Ainda segundo a Controladoria-Geral da União, a Mega Comércio não cumpriu com a exigência de apresentar certificado de registro de produto expedido pela Anvisa, sendo, desta forma, favorecida. O certificado da agência representa garantia dos requisitos mínimos de qualidade.
A SES (Secretaria Estadual de Saúde) informou se tratar de um lapso da equipe responsável por receber a documentação. A falta só foi regularizada em abril de 2021, um ano depois da compra. Conforme o governo, trata-se de uma irregularidade formal, que não prejudicou o certame e o atendimento ao seu objeto.
Porém, ao analisar o documento, novo problema: a CGU verificou que aparece o nome de outro fabricante para as máscaras, a “Nutriex Importação e Exportação de Produtos Nutricionais”. A Anvisa já detectou problemas de qualidade nas máscaras da Nutriex, mas, conforme lembra a CGU, nem seria caso da administração estadual se preocupar, pois a vistoria mostrou que o material fornecido pela Mega tem como fabricante a empresa Biolux.
“Porém, não há necessidade de a Secretaria de Saúde do Mato Grosso do Sul se preocupar com a qualidade das máscaras Nutriex Máscara de Proteção PFF-2 N95, pois, de acordo com a inspeção realizada pela equipe da CGU no Hospital Regional em 30.11.2020, as máscaras entregues pela Mega Comércio não foram dessa marca. Nos itens nº 1.4 e 1.6 do presente relatório, constam registros fotográficos das máscaras entregues pela Mega Comércio, da marca Biolux, fabricadas por Biolux (CNPJ nº 00.572.309/0001-56), e autorização de funcionamento da Anvisa nº 2.03679-3”.
Sobre esse “achado” da CGU, o secretário estadual de Saúde, Geraldo Resende, comunicou a abertura de sindicância para apurar responsabilidade de servidores e de processo administrativo contra a Mega Comércio.
Laços de família
O processo de apresentação de propostas para fornecimento das máscaras também chamou a atenção da CGU. Três empresas apresentaram orçamento. A Mega, que venceu, ofertou cada unidade por R$ 29,99. A Universal Produtos Hospitalares ofereceu o item por R$ 60. Enquanto que a SPV Produtos Hospitalares apresentou preço de R$ 75 por máscara.
Na hora da entrega, o material foi entregue, em nome da Mega, pelo dono da SPV. O proprietário da SPV é casado com a enteada do dono da Mega. Esse laço de família entre as empresas participantes foi destacado pela Controladoria-Geral da União.
“Verificou-se que o responsável pela entrega é o único sócio da empresa SPV Produtos Hospitalares Eireli, a qual tinha participado do processo de cotação de preços da dispensa de licitação nº 27/000989/2020, juntamente com as empresas Mega Comércio de Produtos Hospitalares e Universal Produtos Hospitalares. Verificou-se, ainda, que o sócio da empresa Mega Comércio de Produtos Hospitalares, pessoa de CPF (…), é padrasto da esposa do sócio proprietário da empresa SPV Produtos Hospitalares Eireli. Desta forma, entende-se as propostas apresentadas pelas empresas Mega Comércio e SPV Produtos Hospitalares podem não ter sido elaboradas de forma independente, comprometendo a regularidade da cotação de preços”, informa o relatório.
O documento não cita nomes. Mas, conforme consulta ao CNPJ, disponível no site da Receita Federal, o administrador da Mega é Emerson Ludwig. Enquanto que o dono da SPV é Gabriel Melo Matos de Salvi. Um dos sócios da Universal, terceira participante, tem o mesmo sobrenome do dono da Mega.
De acordo com a SES, não existe qualquer impedimento pela legislação vigente que obstaculize ou determine o afastamento de licitantes com sócios ou parentes em comum para competir num mesmo certame. “E, no caso concreto, é frágil a presunção de conluio porque o orçamento foi submetido a posterior cotação eletrônica, visto que um universo de 994 fornecedores fora notificado, via sistema SIGA, para apresentar suas propostas e disputar a contratação direta”.
O relatório aponta que, neste caso, não atribuiu responsabilidade ao poder público e que empresas podem fazer conluio.
“Portanto, a constatação da existência de vínculos entre as empresas Mega Comércio e SPV Produtos Hospitalares constitui matéria de interesse público que deve ser levada em consideração em licitações futuras”, destaca a CGU.