No artigo “Do inferno de Auschwitz à magistratura”, o jornalista e filósofo Mário Pinheiro lembra a luta de Simone Veil, que viveu os terrores do nazi-fascismo de Hitler nos anos 40 do século passado. Ela acabou perdendo toda a família nos campos de concentração, mas acabou sendo salva pelos russos e voltou à França para ser juíza.
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“Nem sempre as pessoas sobrevivem aos maus tratos da política quando o sistema em causa é o nazi-fascismo. Em junho de 1940, a Alemanha nazista invadiu a França e os franceses se dividiram entre resistentes e colaboracionistas. A polícia escolheu colaborar, prender os compatriotas de origem judia”, lembra.
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“Antes da prisão, a família de Simone elaborou documentos falsos, e cada um foi abrigado na casa de terceiros. Ela, estudante, estava preparada para enfrentar os estudos de Direito. Mas ninguém escapou da fúria nazista. A solução final para extermínio dos judeus da Europa foi decidida em 1942, na Conferência de Wannesee em que a morte foi institucionalizada”, pontua.
“Libertada pelos russos, ela volta para a França, órfã, sem crer em mais nada, retoma os estudos, faz Direito, depois magistratura e se dedica pela causa da mulher. Simone é a primeira feminista numa profissão importante. Segundo ela, mais de 80% dos judeus holandeses e gregos foram eliminados”, conta.
Confira o artigo na íntegra:
“Do inferno de Auschwitz à magistratura
Mário Pinheiro, de Paris
Nem sempre as pessoas sobrevivem aos maus tratos da política quando o sistema em causa é o nazi-fascismo. Em junho de 1940, a Alemanha nazista invadiu a França e os franceses se dividiram entre resistentes e colaboracionistas. A polícia escolheu colaborar, prender os compatriotas de origem judia.
Na cidade de Nice vivia Simone Veil, estudante de 16 anos, com sua família sempre unida e inseparável. Alemães e franceses invadiam apartamentos, colocavam todos na rua com pouquíssimas peças que eles autorizaram pôr numa pequena valise. O sonho juvenil morria ou renascia com a promessa dos nazistas de uma frente de trabalho em Auschwitz- Birkenau. Ninguém imaginava o que se passaria no destino. A viagem era massacrante, de pé, a respiração ofegante, o hálito maldito de quem jamais esperava viajar sem o mínimo preparo. No momento exato do embarque, segundo Simone, eles se faziam de educados.
Auschwitz é um conjunto de campos de concentração e de exterminação, construído em 1940. O local fica a 40 quilômetros de Cracóvia, Polônia. O mal estava no semblante cínico de cada policial que distribuía chutes na bunda e atiçava o cachorro pastor alemão que também babava raiva visceral.
Antes da prisão, a família de Simone elaborou documentos falsos, e cada um foi abrigado na casa de terceiros. Ela, estudante, estava preparada para enfrentar os estudos de Direito. Mas ninguém escapou da fúria nazista. A solução final para extermínio dos judeus da Europa foi decidida em 1942, na Conferência de Wannesee em que a morte foi institucionalizada.
Em 1943, num controle da Gestapo em civil, Simone foi presa e levada ao hotel Excelsior onde estava o irmão, as irmãs e os pais. A família de Simone Veil embarcou num trem para Drancy, periferia parisiense, enquanto milhares de judeus foram enviados a outros campos de concentração (mais de 30) espalhados pela França à espera de trens cargueiros para a viagem final.
O contexto em Auschwitz-Birkenau era infernal, sombrio, obscuro, o sol não lambia o horizonte. O riso cínico dos soldados que agia com empurrões, golpes de fuzil na cabeça, gritos de crianças separadas de seus pais, execuções, os casais perdiam seus pares, a fila enorme de gente nua a tremer à porta da câmera de gás, a lama, o frio de temperaturas diariamente negativas, a fome, a doença se apropriava dos fracos e dos fortes. As chaminés dos fornos vomitavam a fumaça preta de corpos que os alemães faziam desaparecer. A esperança não tinha noção da existência divina, o amor se tornara ilusão diante do mal constante. Como acreditar que o homem era capaz de tanta maldade, de executar a obra satânica e depois negar.
O tempo vazava, quanto mais desapareciam pessoas nos campos de concentração, outros trens chegavam em todas as horas da noite e do dia. Cada cargueiro levava a média de 800 judeus abarrotados e a viagem durava dois dias e meio, sem comida, sem bebida, nem banco para sentar.
A SS, organização paramilitar fundada em 1925 por Adolf Hitler, afirmava que se alguém tentasse uma evasão do vagão de animais, todos seriam fuzilados. O pai de Simone, separado da família, foi assassinado na Lituânia. A mãe e o irmão morreram no desespero de não ver a luz, de inanição, frio, maus tratos no campo de Bergen-Belsen, mesmo lugar em que Anne Frank morreu de tifo.
Em maio de 1945 as tropas soviéticas liberam os primeiros campos de concentração. Simone respira o ar fétido dos compatriotas que receberam o suplício da morte e jaziam numa vala comum num amontoado de gente de todas as idades.
Libertada pelos russos, ela volta para a França, órfã, sem crer em mais nada, retoma os estudos, faz Direito, depois magistratura e se dedica pela causa da mulher. Simone é a primeira feminista numa profissão importante. Segundo ela, mais de 80% dos judeus holandeses e gregos foram eliminados.
A carreira profissional começa como juíza, depois recebe o convite do presidente Valéry Giscard d’Estaing para o Ministério da Saúde em 1974. Em suas mãos estava a responsabilidade do projeto de liberdade feminina, a interrupção voluntária da gravidez. Ela defende que cabe à mulher a decisão de ter ou não um filho fruto de estupro, de fetos malformados ou acéfalos. Ela obteve apoio das mulheres comuns, de Simone de Beauvoir. Simone Veil morreu em 2017. Infelizmente, no Brasil há pessoas sem a mínima capacidade de raciocinar, desconhecem o poder da maldade na cabeça de um acéfalo psicopata que jamais deveria ter sido eleito. Mas convenhamos, Hitler também foi eleito, ignorava a ciência, era frustrado por nunca ter conseguido entrar na faculdade de belas artes e proibiu diversas atividades e matérias nas universidades alemãs. A sociologia de Max Weber, por exemplo, esteve proibida durante dez anos.”