A organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) atua como grupo terrorista para controlar o tráfico transnacional de drogas e armas na fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai. Apesar da guerra ter transformado a região em carnificina diária, a Polícia Federal não dispõe de estrutura para enfrentar o crime organizado. A análise é do juiz federal aposentado Odilon de Oliveira, que ganhou notoriedade nacional ao condenar os barões do tráfico e até o poderosíssimo Fahd Jamil, o “rei da fronteira”.
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“O modus operandi do PCC, no Brasil e no Paraguai, faz nascer na América do Sul uma nova espécie de terrorismo”, suspeita o magistrado. “Numa versão bem simples, uma das principais diferenças entre o crime comum e o terrorismo está no fim desejado. No delito comum, o assassinato de um desafeto é um fim, esgotando-se a ação em si mesma, com a morte. No terrorismo, o homicídio é um meio para se atingir um fim”, explica Odilon.
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A violência sem precedentes na fronteira teve repercussão nacional com os assassinatos do vereador de Ponta Porã, Farid Afif (DEM), e da jovem de 21 anos filha do governador paraguaio Ronald Acevedo. Duas estudantes de Medicina também foram executadas. Pedro Juan Caballero reúne milhares de universitários brasileiros.
Odilon lembra do ataque em 2006, quando o PCC ateou fogo em órgãos públicos e matou 184 pessoas. “Aquelas ações, e outras ocorridas ao longo dos anos, não foram um fim em si mesmas, mas meio para o grupo conquistar domínio e vantagens patrimoniais. Os policiais e agentes penitenciários assassinados não eram inimigos pessoais do PCC. Qualquer um que estive em situação fragilizada morreria”, pontua.
Na sua opinião, o PCC passou a atuar no Paraguai com o objetivo de adquirir drogas e apostando na repressão menor. “Esconderijo é outra finalidade, também porque as regras de extradição são burocráticas e, naquele país, o sentimento popular em relação a drogas é diferente do Brasil. Um outro motivo está na prática de sequestros econômicos, cuja liberação da vítima fica condicionada ao pagamento de resgate”, afirma, lembrando de sequestros famosos, como o de Cecília Cubas, filha do ex-presidente do Paraguai, Raul Cubas.
“A maior parte desses crimes (drogas e armas, principalmente), é transnacional, envolvendo o Brasil e o Paraguai. A repressão, pois, não pode ser regionalizada. Não basta que o Brasil combata aqui e o Paraguai reprima lá. Exige-se atuação conjunta, padronizada, uniforme. Uma estratégia comum”, recomenda Odilon, que foi candidato a governador em 2018 e perdeu no segundo turno para Reinaldo Azambuja (PSDB).
“Há necessidade de flexibilização de certos itens da soberania nacional. Exemplo: criação de uma área de livre circulação, como se fosse, dos dois lados, uma mini faixa de fronteira de 500 metros, um quilômetro, onde policiais de lá e de cá possam, em serviço, andar armados”, sugere. Ele diz que adotou isso quando foi juiz em Ponta Porã e não houve problemas de independência de ninguém.
“A criação de uma central de inteligência comum, bem estruturada e que efetivamente funcione, é fundamental. Não se previne nem se reprime crime organizado sem eficiente trabalho de inteligência”, destaca.
Em seguida, o juiz Odilon destaca a falta de estrutura da Polícia Federal para combater as organizações criminosas. “Nesse quase um terço do território nacional, existem menos de 30 delegacias de polícia federal e uns 4 ou 5 postos, estes com dois ou três agentes. A maior parte dessas delegacias estão com padrão muito abaixo do minimamente necessário, a começar pela de Ponta Porá, a principal para o enfrentamento do PCC na fronteira Brasil/Paraguai. Está em péssimo estado, não comportando sequer os poucos policiais lotados naquela cidade”, criticou.
“No meu entender, que bem conheço esse aspecto da fronteira, pois atuei como juiz federal por mais de três décadas na faixa de fronteira pertencente a Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, a quantidade de policiais federais deve ser triplicada. A estrutura material deve ser melhorada, e muito”, propõe.
“A Polícia Federal mantém, no Paraguai, desde 1.994, a chamada Operação Aliança, anualmente. Um bom trabalho. A atuação conjunta dos dois países deve ser reestruturada. A Aliança deve funcionar pelo menos três vezes por ano, e não uma. Destina-se a erradicar plantações de maconha”, justifica.
De acordo com o magistrado, o Paraguai conta com 5 mil hectares destinados ao cultivo da maconha. “Para agravar, são três safras por ano. Cada hectare por safra, produz três toneladas. As três safras somam 9 toneladas, multiplicadas por 5 mil, totalizando 45 mil”, calcula.