O SUS (Sistema Único de Saúde) está preparado para enfrentar situações como a pandemia do coronavírus. A opinião é do professor de infectologia e de saúde coletiva da UFJR (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Amâncio Paulino de Carvalho. “Essa capacidade de resposta é muito grande e está, como disse, organicamente ligada ao SUS”, conta.
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Carvalho atua com gestão de saúde e gestão de saúde hospitalar em busca de respostas sobre a pandemia de covid-19. Como profissional de gestão em saúde, o médico defende a estrutura do SUS e explica o porquê a eficiência do sistema no trabalho de controle da pandemia. O infectologista ainda destaca a necessidade de manutenção do distanciamento social como forma de reduzir o número de infecções por SARS-Cov-2, o coronavírus causador da covid-19.
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Também revela que as rotinas aplicadas pela China ajudam a proteger os profissionais de saúde na linha de frente e quais os indicadores são avaliados para considerar a expansão do número de casos.
O Jacaré – Hoje, como está distribuído no Brasil, nosso sistema se saúde tem capacidade de conter ou mesmo responder de maneira adequada a esta pandemia?
Amâncio Paulino – Acho que o SUS está preparado, que ele vai conseguir dar uma resposta. É claro que, com algumas limitações, mas também é claro que se a epidemia realmente crescer, ela vai ultrapassar essa resposta. Porque não há como, de uma forma tão rápida, encontrar a estrutura para tudo. Mas a gente tem essa vantagem, né? De já conhecer o que aconteceu na China e pode ter tido tempo para se preparar, pelo menos um pouco.
O Jacaré – A estrutura do SUS, da maneira como foi concebido, previa respostas para uma pandemia, como a que vivemos agora?
Amâncio Paulino – Sim. A estrutura do SUS desde o início prevê a existência da vigilância epidemiológica, que é um sistema de notificação de doenças. Quase que exclusivamente, doenças infecciosas, mas não só. Várias delas que têm caráter epidêmico e, que, portanto, sendo desencadeadas podem desencadear uma resposta sistêmica. Digamos, assim, ao desafio.
O Jacaré – Em quais situações o SUS já aplicou este tipo de resposta sistêmica? Pode citar um exemplo?
Amâncio Paulino – Por exemplo, algo que não é tão terrível como parece ser o coronavírus. Sarampo, o sarampo foi reintroduzido no Brasil. O Brasil tinha um padrão de vacinação excepcional e estava para receber da OMS (Organização Mundial de Saúde) o certificado da erradicação do sarampo, quando essa mania que afetou o mundo, como o terraplanismo, de que não pode vacinar, que não deve vacinar, que a vacina faz mal, etecetera e tal, diminuiu a taxa de cobertura da população e o sarampo voltou a circular. Se não me engano, foram cinco mil casos no ano passado. E o sarampo é uma doença que pode ser grave, principalmente para certos grupos vulneráveis, como crianças muito novinhas ou pessoas que têm doenças respiratórias, enfim. Prévia, crônica.
Então, o sarampo, quando é detectado é necessário fazer o que você chama de vacinação de bloqueio. Vacinar em primeiro lugar toda a população que está em torno daqueles casos que apareceram para evitar que continuem transmitindo. Então isto está na estrutura do SUS. É um sistema ligado à vigilância epidemiológica e, portanto, o SUS está organicamente preparado para lidar com isto.
O Jacaré – Como funciona, exatamente?
Amâncio Paulino – O SUS trabalha com níveis de responsabilidade e complexidade de gestão bem estruturadas. E isso tem realmente funcionado bem. Então você consegue estabelecer. Na epidemia, o que você tem que fazer. Você precisa aplicar aqueles recursos dirigidos para este problema. Então você define: os postos de atenção básica vão receber os pacientes que têm os sintomas para fazer checagem clínica, para fazer o exame, se ele estiver disponível. E, dali tem uma sala de observação, vai ver como está o nível de oxigênio no sangue, a frequência respiratória, ver se tem algum grau de gravidade. Se tiver, manda para o hospital. Já foi planejado. Aí surgem todas as alternativas. Aí você mobiliza as forças armadas para colocar os hospitais de campanha.
Modifica, como tem sido feito no mundo todo, um estádio, para transformar também em um hospital para receber os pacientes menos graves. Reserva os hospitais propriamente ditos para os doentes mais graves, que precisam de respirador e um tipo de suporte especializado com profissionais especializados. Essa capacidade de resposta é muito grande e está, como disse, organicamente ligada ao SUS. Porque o gestor nacional, por exemplo, vai fazer gestões junto à economia, à presidência da república para ver, por exemplo, a questão do financiamento, das grandes compras. Por exemplo, o governo federal está empenhado em comprar testes e se articula para isso. E essa é uma parte fundamental da estratéria. Porque a estratégia para enfrentar a economia depende, por exemplo, da disponibilidade e da eficácia de testes. Se tem ou não.
Se tem, testa todo mundo e vai atrás de quem for positivo e dos contatos. Se não, tem que fazer outro tipo de detecção que é clínica, menos precisa. Então eu diria a você que sim. Que o SUS tem essa capacidade. Que ele tem um mecanismo de gestão que permite a divisão de responsabilidade e ele pode, também, definir funções e tarefas que só são apropriadas a cada nível de complexidade e da atenção. Complexidade entendida no sentido tecnológico, porque do ponto de vista clínico, muito mais complexo do que qualquer coisa, é atender na atenção básica. Em termos de desafios aos médicos.
O Jacaré – E como a população pode sentir essas mudanças nas rotinas em que estava habituada?
Amâncio Paulino – O sistema de saúde se adapta conforme ao desafio que aparece. Se a atenção básica tem uma determinada rotina, pode ser que, por um tempo, essa rotina seja quebrada, as consultas habituais não sejam feitas. No período da epidemia ela passa a atuar de uma outra maneira. Da mesma forma os hospitais, onde são suspensas as internações por cirurgias eletivas exatamente para deixar espaço para que os pacientes mais graves cheguem. Essa é uma articulação muito mais fácil e eficiente de ser feita no sistema de saúde nacional.
O Jacaré – E quais são os limites do SUS?
Eu gosto de fazer uma comparação, o hospital onde eu trabalho, o Hospital do Fundão (Rio de Janeiro) fica ao lado do aeroporto. E o aeroporto é um lugar onde pode acontecer um acidente de avião. Fica, então, a seguinte questão: será que por estar ao lado de um aeroporto, de poder cair um avião com 200 vítimas de um incêndio que tem que ser atendido, o hospital deve ter estrutura para atender essas 200 pessoas o tempo todo?
Isso não faria sentido nenhum. É um exagero falar assim, evidentemente, mas é só para deixar clara a ideia de que não é possível manter uma estrutura capaz de manter vários tipos de desafios que podem acontecer, mas que acontecem com pouca frequência. O que o sistema tem que ter é justamente uma capacidade de elasticidade de mobilizar esses recursos quando eles forem necessários.
Agora, ventilador mecânico é algo que não se consegue estalando os dedos. Porque tem uma capacidade de produção limitada, tem um mercado que está dimensionado. Então isso custa um tempo para que seja fornecido em uma quantidade. Pode até aumentar a capacidade de produção, mas pode não ser suficiente. Então, isso é inerente a qualquer epidemia de grande porte. Pode faltar material. Da mesma maneira, tudo o que é necessário de equipamento de proteção individual tem que ser produzido em larga escala. Em uma escala muito maior do que se fabricava antes. É o templo de adaptar determinadas linhas de produção, passar a fazer um uso mais racional. É outro aspecto no qual pode haver problemas.
O Jacaré – Muitos profissionais de saúde morreram por contaminação na China, mesmo usando equipamentos de proteção adequados. Qual é a segurança para os profissionais do Brasil a partir da realidade vivenciada pelos chineses?
Amâncio Paulino – Temos uma vantagem em relação à China. No início a China não sabia o que era. Agora, a gente sabe e tem um tempo de preparação. Até algumas medidas, como fazer compras, por exemplo, já estão em andamento. Então, os profissionais vão passar a atender seus pacientes de uma maneira bem mais ciente do que acontece, de quais são as questões relacionadas às doenças. Portanto com melhor condição de se proteger. Até do ponto de vista técnico de conhecimentos do que ocorreu na China já foram difundidos.
O Jacaré – Qual seria essa diferença?
Amâncio Paulino – Por exemplo, mesmo muito bem paramentados, os médicos e enfermeiros se contaminavam na hora de tirar a roupa. Porque era complicado tirar a roupa e acabavam contaminados por conta da máscara ou por conta das próprias mãos. Então se desenvolveram técnicas que procuram levar isso em conta. Então é isso.
O Jacaré – Quais são os elementos que podem indicar a queda de infecções, a saída, em efetivo desta pandemia. Ou seja, quando veremos resultados, considerando a experiência chinesa?
Amâncio Paulino – Quanto ao aspecto de saída da epidemia. Sei que eles (na China) estão há uma semana sem transmissão. O número de casos curados já muito maior que casos graves e em tratamento. Então eles começaram a, realmente, relaxar algumas barreiras.
Agora, existe o risco de reintrodução da infecção. Isso exige uma vigilância o tempo todo. Só que agora, como todo mundo já sabe do que se trata, vai ser muito mais fácil identificar um caso suspeito e bloquear a transmissão a partir daquele caso.
Seja olhando a partir de quem a pessoa teve contato, seja rastreando, seja isolando. Então, isso passa a ser alguma coisa muito mais automática, mas existe o risco.
Então eu acho que é preciso um balanço entre esses dois elementos. A evolução da epidemia em uma determinada localidade por um lado e, por outro lado, a capacidade de manter o sistema de vigilância para que se possa impedir o surgimento. Ou seja, o recrudescimento da epidemia a partir de novos casos. O exemplo são os casos novos, uma coisa de 30 casos por dia que ocorre agora na China, basicamente a partir de viajantes. E aí você tem vários mecanismos para fazer esse controle de quem chega no país.