Por 7 a 3, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucionais emendas à Constituição de Mato Grosso do Sul que tiraram a autonomia do Ministério Público de Contas em 2015. Com a decisão, a corte derruba a mordaça imposta aos procuradores no combate à corrupção. A manobra foi comandada na época pela Assembleia Legislativa e pelo Tribunal de Contas do Estado.
[adrotate group=”3″]
O STF derrubou até a estratégia do atual presidente do TCE, conselheiro Iran Coelho das Neves, para salvar as mudanças. Como houve vício de iniciativa, a corte fiscal enviou projeto em agosto do ano passado ratificando as alterações feitas na Constituição Estadual há quatro anos.
Veja mais:
Juiz condena conselheiro do TCE a perda do cargo e a devolver R$ 1,2 milhão
Salário de conselheiro do TCE chega a R$ 183 mil em MS
Com salário de até R$ 109 mil, conselheiro do TCE pode ter aumento de 90%
Em decisão unânime, investigação de propina milionária continua contra André e Jerson Domingos
Em julgamento virtual concluído nesta sexta-feira (14), o STF considerou inconstitucionais as emendas de 2015 e 2019, que reduziam o número de sete para quatro procuradores de contas, acabavam com a independência do Ministério Público de Contas e impediam o órgão de propor leis.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi considerada procedente pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, e pelos colegas de corte, Marco Aurélio, Luiz Fux, Cármem Lúcia, Luiz Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Edson Fachin. Votaram contra o presidente do STF, Dias Toffoli, e os ministros Gilmar Mendes e Rosa Weber.
Autor da ação no Supremo, a AMP-CON (Associação Nacional do Ministério Público de Contas) apontou o real objetivo da manobra de deputados e conselheiros do TCE: impedir que os procuradores fiscalizem o desvio de recursos públicos e evidencie irregularidades.
A mudança ocorreu logo após o Ministério Público de Contas apontar irregularidades na concessão da coleta do lixo de Campo Grande, que se tornou um escândalo de dimensões monumentais, mas segue impune. Somente em 2018, com a proposição de ação pelo Ministério Público Estadual, a sociedade ficou sabendo que a Polícia Federal encontrou indícios de pagamento de R$ 50 milhões em propina, fraudes e desvios de dinheiro na licitação do lixo.
Em nota publicada na época, a entidade ainda apontou outras irregularidades descobertas pelos procuradores que estavam incomodando, como os contratos ilegais com a Itel Informática (que segue ganhando todas as ações judiciais), irregularidades na gestão do então prefeito Gilmar Olarte (condenado a oito anos por corrupção em um processo e réu em outros dois) e indícios anteriores a Operação Lama Asfáltica (que já tem indícios de desvios de mais de R$ 432 milhões).
Em nota publicada em agosto do ano passado, o Ministério Público de Contas destacou que a Emenda Constitucional 68, de 2015, e a aprovada no ano passado, não vão reduzir o gasto do TCE. A corte continuará gastando R$ 60 milhões com a contratação de funcionários terceirizados, sem concurso público, e o gasto com procuradores não representa mais de 0,5% do orçamento do órgão.
Em 2016, ao se manifestar a respeito da ADI 5483, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manifestou-se pela independência do MPC e pela inconstitucionalidade das emendas. “O Supremo Tribunal Federal, em vários julgados, reafirmou a indissociabilidade entre a independência funcional de membro do Ministério Público e a autonomia administrativa e financeira da instituição. Raciocínio idêntico aplica-se ao Ministério Público de Contas”, argumentou.
“Diante desse quadro, que não parece tópico, mas reiterado, e que não deve ser desconsiderado, a lei impugnada parece mais uma manobra destinada a esvaziar mecanismos de trabalho e a debilitar inaceitavelmente o próprio quadro de membros do Ministério Público de Contas sul-mato-grossense, a ponto de quase inviabilizar sua atuação”, alertou o MPF. “Impede atuação livre e desimpedida dos procuradores de contas e choca-se com o art. 130 e demais dispositivos da Constituição da República que impedem interferência abusiva de um poder ou órgão no funcionamento regular de outro”, pontuou.
O fim da mordaça é um sinal de esperança de que as manobras para impedir o combate à corrupção começam a fazer água em Mato Grosso do Sul.
O caso mais exemplar do papel do TCE é o Aquário do Pantanal. Ao lançar o projeto rocambolesco em 2011, o ex-governador André Puccinelli (MDB), gabou-se que a obra seria fiscalizada em tempo real pelo Tribunal de Contas. A corte até publicou relatório do andamento da obra em tempo real no site.
Nenhum conselheiro viu as falcatruas realizadas no Aquário, como o superfaturamento e a troca da Egelte, vencedora da licitação, pela Proteco, de João Amorim. Prevista para custar R$ 84 milhões, a obra teve investimento de R$ 230 milhões e segue inacabada.
No final de 2017, o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) anunciou a conclusão do Aquário por meio de contratação direta e o então presidente do TCE, conselheiro Waldir Neves, aprovou a ideia, mesmo sendo sem licitação. A Justiça suspendeu o “acordo nebuloso”, como definiu o jornal Correio do Estado, e mandou licitar a conclusão do empreendimento.
Outras mudanças ainda preocupam, como a restrição do trabalho de promotores e procuradores de Justiça. Desde o início do ano passado, ações de combate à corrupção contra autoridades com foro especial só podem ser conduzidas pelo procurador-geral de Justiça, Paulo Cezar dos Passos.
Ou seja, ainda muita coisa precisa ser feita para que o combate à corrupção seja efetivo em Mato Grosso do Sul.