Apesar de receber salário de R$ 33 mil a R$ 38,2 mil por mês, o delegado Eder Oliveira Moraes, 50 anos, fazia qualquer negócio como titular da 1ª Delegacia de Aquidauana, a 130 quilômetros da Capital. Conforme denúncia do Gaeco (Grupo de Atuação Especial na Repressão ao Crime Organizado), ele cobrava propina de R$ 250 a R$ 8 mil desde para liberar um simples alvará, liberar chefe de organização criminosa e até inventava serviço para garantri o faturamento extra.
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O esquema só tinha êxito porque o policial contava com a ajuda de três advogados, que foram denunciados na Operação Balcão de Negócios por corrupção passiva. A ousadia do grupo era tanto que uma vítima de roubo acabou sendo extorquida ao procurar a delegacia para registrar boletim de ocorrência.
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A derrocada do suposto esquema criminoso do delegado começou com o sumiço de 101 quilos de cocaína da 1ª DP de Aquidauana. Avaliada em R$ 2 milhões, a carga da droga sumiu de dentro da delegacia e contou com a ajuda do titular, conforme denúncia do Ministério Público Estadual.
Com bom salário, o delegado não tinha motivo para usar o cargo na prática de crimes em Aquidauana. Conforme o Portal da Transparência, o subsídio é de R$ 29.835,45 por mês – um trabalhador normal levaria dois anos e cinco meses para acumular a fortuna paga em um único mês a Moraes. Além disso, ele tinha direito a gratificações eventuais, que oscilaram entre R$ 3,2 mil e R$ 8 mil neste ano.
Os detalhes da denúncia do Gaeco, assinada por quatro promotores, revelam a ganância do delegado e causam estarrecimento na sociedade. Com base em interceptações telefônicas, análise de conversas em aplicativos e depoimentos, o grupo formalizou 14 crimes cometidos por Eder e pelos advogados Mary Stella Martins de Oliveira, Aires Batista Vilalba e Cristiane Chioveti de Moraes.
Há o caso em que o pagamento de propina não chegou a ser concretizado porque a vítima não tinha dinheiro. Conforme o Gaeco, a Polícia Civil apreendeu um adolescente por furto. O delegado chamou a mãe do garoto e a levou ao desespero pressionando para pagar entre R$ 3 mil e R$ 3,5 mil para a advogada Mary Stella para que ele não fosse transferido para Campo Grande ou Dourados, onde ficaria 45 dias.
A mulher teria ficado desesperada, mas não tinha condições de pagar a propina. De acordo com a denúncia, Moraes a pressionou de todas as formas. Como ela não tinha mesmo condições, ele acabou liberando o adolescente.
Outro caso que a chantagem não teve êxito foi de um homem acusado de participar de estupro coletivo. Neste caso também não houve concretização, porque a família não tinha R$ 8 mil.
O grupo teve sorte para liberar um homem preso por violência doméstica em março deste ano. Para deixar a prisão, ele pagou R$ 1,5 mil, sendo R$ 500 de fiança e R$ 1 mil foram divididos entre o delegado e Vilalba.
Para não fazer o flagrante por tentativa de homicídio, que poderia levar a prisão do autor, o delegado “mordeu muito”, conforme interceptação telefônica. No entanto, o Gaeco não cita o valor cobrado.
Em outra ocorrência, segundo a denúncia, Eder Moraes recebeu R$ 1 mil para evitar a delação de um preso por tráfico de drogas. Um preso teria pago a mesma quantia para o titular da 1º delegacia agilizar a transferência do regime fechado para o semiaberto.
O MPE cita o caso de uma mulher que pagou R$ 3 mil para recuperar caminhonete S-10, que havia sido vendida, mas o novo proprietário não teria quitado três parcelas. O veículo só poderia ser apreendido com autorização judicial. O delegado fez o boletim e contou com a ajuda de um agente para apreender o veículo e entrega-lo à antiga proprietária.
Um comerciante teria pago R$ 2 mil para não ficar preso por porte ilegal de arma de fogo. Flagrado com uma pistola importada, ele contou com o “jeitinho” do delegado. Eder reduziu a fiança de R$ 998 para R$ 350 porque o homem “não tinha condições”. Ele e o advogado teriam rachado R$ 1.650. Para não ser recolhido na cela e passar a noite nos fundos da delegacia, o empresário pagou pizza e refrigerante para os policiais da unidade, conforme a ação penal.
Um fazendeiro acabou vítima da organização criminosa ao procurar a delegacia para registrar o furto da propriedade rural. Como entre os bens roubados estavam dois revólveres, o delegado exigiu R$ 7 mil para livrá-lo da denúncia por posse ilegal das armas. Em conversas flagradas, a advogada diz que “às vezes, tem que pagar”. Foram pagos dois cheques de R$ 2,5 mil.
O dono de uma conveniência pagou R$ 5 mil parcelado para se livrar da prisão após ser autuado vendendo bebida alcoólica e narguilé para adolescentes. Novamente, o delegado usou a “caridade” e reduziu o valor da fiança para R$ 350 por falta de condições do suspeito.
Outro empresário pagou 18 vezes R$ 250 para obter alvará para realizar shows sertanejos. Em conversas, o delegado chegou a reclamar do valor e orientava o advogado a apertar mais para elevar o valor para R$ 500.
Acusada de ser chefe do tráfico de drogas na região, Sandra Ramona da Silva pagou R$ 8 mil para ficar livre da prisão junto com o seu grupo. Ela e mais dois foram presos por uma tentativa de homicídio. Para não prorrogar a prisão, Moraes exigiu R$ 5 mil. Depois, com o pagamento de mais R$ 3 mil, ele inocentou os três.
Aliás, em conversas gravadas, Sandra se mostra indignada com a ganância de Eder Moraes. “Só o delegado ganha dinheiro”, reclamou para Lucas Wesley de Souza, o Pastor, que também é acusado de integrar a facção criminosa.
Esta denúncia foi feita no final de julho pelo Gaeco e pelo promotor de Aquidauana. O juiz Ronaldo Gonçalves Onofri, da Vara Criminal, Infância e Juventude, aceitou a ação no dia 26 de julho deste ano. O delegado segue preso na 3ª Delegacia de Polícia Civil na Capital.
Ele ainda responde outra ação por organização criminosa junto com a chefe do tráfico no portal do Pantanal. Esta denúncia foi recebida pelo juiz no dia 1º de agosto deste ano.