O Tribunal Regional Federal da 3ª Região mudou a estratégia e passou a julgar longe dos holofotes os habeas corpus dos presos na Operação Lama Asfáltica. Nesta semana, protegidos pelo manto do sigilo judicial, o ex-secretário adjunto de Fazenda, André Luiz Cance, e o milionário Antônio Celso Cortez, dono da PSG Tecnologia Aplicada, foram soltos pelo desembargador Paulo Fontes, que revogou as prisões preventivas decretadas na Operação Computadores de Lama.
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No dia 27 de novembro deste ano, o juiz substituto Sócrates Leão Vieira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, decretou a prisão preventiva de Cance, de Cortez, do empresário João Roberto Baird, o Bil Gates Pantaneiro, e o do ex-trabalhador rural Romilton Rodrigues Oliveira.
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Só que desta vez a defesa dos acusados conseguiu evitar a publicidade dos pedidos de liberdade. Os habeas corpus do ex-governador André Puccinelli (MDB) e do filho, o advogado e professor da UFMS, André Puccinelli Júnior, presos desde 20 de julho, não foram colocados sob sigilo e acabaram negados pela 5ª Turma do TRF3.
Os pedidos de liberdade do ex-deputado Edson Giroto e do empresário João Amorim, presos há sete meses, também foram públicos. No entanto, eles tiveram o habeas corpus concedido pelo TRF3, mas acabaram presos por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Mais sorte tiveram dois dos quatro presos na Operação Computadores de Lama. O desembargador Paulo Fontes colocou os pedidos de habeeas corpus em segredo. Ele determinou a soltura de Cortez e Cance na terça-feira (4).
Conforme o despacho publicado no Diário Oficial do TRF3 desta quinta-feira, o relator da Operação Lama Asfáltica fez duras críticas a Sócrates Leão Vieira, à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal.
No caso de Cortez, acusado de enviar R$ 1,7 milhão para o exterior em 2017 por meio da Rave, empresa criada no Paraguai, o desembargador considerou que os indícios não são suficientes para decretar a prisão preventiva. Ele cita que as evidências são graves e merecem ser apuradas, mas não são suficientes para adoção de medida extrema.
“Os fatos invocados nas decisões são, não raras vezes, arrolados em grande número, tratando de elementos muito distintos e sem o necessário aprofundamento, baseando-se o Juízo em conclusões da CGU (Controladoria Geral da União) por vezes insuficientes à decretação da medida excepcional, como quando assevera que ‘tudo leva a crer que a empresa RAVE S.A. seja propriedade de ANTONIO CELSO CORTEZ e/ou de JOÃO BAIRD’ (fls. 31 da decisão atacada) ou que Antônio Celso Cortez efetuou pagamentos a pessoa “como inúmeros indícios de ser testa-de-ferro de João Roberto Baird.” (fls. 39) (REPETE)”, frisa o desembargador. Ele repete este mesmo argumento no despacho para favorecer Cance.
“Sobre carecer a conduta de contemporaneidade, o que se vê da decisão é que foram coligidos indícios da prática criminosa, não concorrendo, contudo, o pressuposto da materialidade, como se pode ver acima quanto à dúvida sobre a propriedade da empresa Rave. O MM. Juiz impetrado discorre também longamente sobre as transferências e possível equivalência entre créditos e transferências, inferindo possível atuação como doleiro, com a adoção do sistema conhecido como dólar-cabo; a complexidade dos fatos, contudo, desaconselham a decretação da prisão processual, por exigir maior aprofundamento investigativo”, aconselha.
Em outro trecho, cita decisão da 5ª Turma do TRF3, tomada na segunda-feira, em que liberou bens de empresa investigada em decorrência da demora na conclusão da investigação. “Com efeito, a Quinta Turma já teve a oportunidade de constatar a demora na conclusão das investigações da chamada operação Lama Asfáltica, podendo-se, como exemplo, citar decisão tomada à unanimidade da sessão realizada na data de ontem, 03/12/2018, em mandado de segurança, liberando parte dos bens imóveis de investigadas na mesma operação, por não ter sobrevindo denúncia quanto a fatos inicialmente cogitados”, criticou.
Sobre o habeas corpus de André Cance, o desembargador minimizou a denúncia de falsificação de dois recibos para vender a Fazenda Angico e driblar bloqueio imposto pela Justiça Federal na Operação Fazendas de Lama, deflagrada em maio de 2016.
“Quanto ao ‘fato novo’ consistente nos recibos ideologicamente falsos, eles teriam sido forjados em 26/10/2016, não se verificando, ainda aqui, o pré-falado requisito da contemporaneidade, necessário à decretação da preventiva. O paciente foi denunciado em razão da suposta falsidade dos recibos, mas falta também maior aprofundamento sobre a própria materialidade de tal delito, havendo notícia de que o negócio dos imóveis fora concretizado ainda no ano de 2013”, destaca Paulo Fontes.
No entanto, sobre este caso, a denúncia contra Cance e dois pecuaristas já foi aceita pelo juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande no dia 27 de outubro deste ano.
Esta é a segunda vez que Fontes concede habeas corpus para Cortez e André Cance. A liminar do magistrado foi confirmada pela 5ª Turma do TRF3, que concordou com a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares.
No pedido de prisão preventiva, o MPF tinha argumentado que as cautelares não foram suficientes para impedir a continuidade das supostas práticas criminosas.
No Diário do TRF3 publicado ontem, dos seis habeas corpus analisados, três estavam em segredo, sendo dois envolvendo investigados na Operação Lama Asfáltica. Outros três são públicos.
A PF estima que a organização criminosa, integrada por Cance e Cortez, causou prejuízos de R$ 432 milhões aos cofres públicos. O montante envolve apenas os inquéritos já concluídos. Só na Justiça Federal já foram protocoladas nove ações penais, sendo que oito foram recebidas pela Justiça.
Dez pessoas estão presas preventivamente e o total bloqueado supera R$ 320 milhões. Por enquanto, a maior operação de combate à corrupção no Estado não conta com nenhum condenado, nenhum, apesar de já contar com mais de cinco anos.