O frigorífico Navi Carne usou uma empresa com receita oficial zero, sem funcionários e patrimônio social de R$ 10 mil para pagar propina de R$ 3,988 milhões ao grupo do ex-governador André Puccinelli (MDB). A conclusão é da Receita Federal na Operação Computadores de Lama, 6ª fase da Lama Asfáltica.
A empresa usada no suposto esquema é a Clari Participações e Administração Societária, criada em 15 de outubro de 2010 pelo empresário José Clarindo Capuci. Em 2013, a companhia não declarou receita nem funcionários. No entanto, a Receita Federal encontrou depósitos e cheques a Gráfica Jafar, a médica Mariane Mariano de Oliveira Dornelas e ao empresário João Roberto Baird, o Bil Gates Pantaneiro, acusados de integrar a organização criminosa do emedebista, preso desde de 20 de julho deste ano.
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Graças a quebra do sigilo bancário, o fisco identificou R$ 3,766 milhões em cheques destinados a Baird nos meses de abril, junho, outubro, novembro e dezembro de 2013. A gráfica de Micherd Jafar Júnior recebeu depósito de R$ 162.394 em 1º de março do mesmo ano, enquanto Mariane recebeu R$ 59.988 em 16 de setembro.
De acordo com a Polícia Federal, eles integravam a ampla rede de empresas e pessoas físicas que recebiam propina. A Proteco, de João Amorim, o Instituto Ícone e escritórios de advocacia emitiam notas fiscais frias para simular serviços para legalizar o pagamento.
O esquema do Navi Carnes é o mesmo adotado pela JBS, que confirmou em delação premiada ter pago propina de 20% a 30% dos incentivos fiscais. O Marfrig confirmou o modus operandi da organização criminosa e até destacou que esse foi o motivo para reduzir os investimentos em Mato Grosso do Sul.
Outro ponto a corroborar as suspeitas foi a delação premiada do ex-chefe da Casa Civil do Mato Grosso, Pedro Nadaf. Ele contou que o governador Silval Barbosa (MDB), que já foi preso, concedeu créditos fiscais de R$ 2,5 milhões ao Navi Carnes com redução do ICMS sobre a energia e o telefone da empresa. Em troca, a Navi Carnes pagou R$ 200 mil em propina por meio da Clari.
Para comprovar, ele teria indicado quatro cheques de R$ 50 mil entregues para sua namorada na época pelo grupo empresarial.
O Coaf, o xerife do sistema financeiro, identificou 78 movimentações atípicas da Clari em 2013, que totalizaram R$ 9,070 milhões. Capuci teria movimentado outros R$ 4,4 milhões em 17 ocasiões.
A Receita Federal concluiu que não há dúvidas de que os R$ 3,988 milhões repassados à gráfica, médica e Bil Gates eram propina paga em troca de incentivos fiscais concedidos pelo Governo à Navi Carnes.
Para confirmar a suspeita, o juiz substituto Sócrates Leão Vieira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, determinou a quebra do sigilo fiscal da Navi Carnes entre 2010 e 2014. O objetivo é saber qual o montante dos incentivos fiscais concedidos pelo ex-governador.
O esquema criminoso não causou prejuízos apenas aos cofres públicos, considerando-se o valor de impostos que deixou de ser recolhido. Ao não cumprir os acordos para receber as isenções, empresas deixaram de criar empregos e ampliar a industrialização de Mato Grosso do Sul, que tem a economia baseada no binômio boi-soja.
Baird, o ex-secretário adjunto de Fazenda, André Cance, o dono da PSG Tecnologia Aplicada, Antônio Celso Cortez, e o ex-trabalhador rural Romilton Rodrigues Oliveira estão presos desde terça-feira.
Até o momento, conforme o sistema do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, eles não ingressaram com o pedido de habeas corpus.
Com os quatro, já são 14 acusados de integrar a organização criminosa investigada na Operação Lama Asfálitca. Amorim, o ex-secretário estadual de Obras, Edson Giroto, o dono da Terrasat, Flávio Henrique Garcia Scrocchio, e o ex-deputado Wilson Roberto Mariano de Oliveira, o Beto Mariano, estão presos desde 8 de maio.
André e o filho, o advogado e professor da UFMS, André Puccinelli Júnior, estão presos desde 20 de julho deste ano. Outras quatro mulheres cumprem prisão domiciliar desde maio (Rachel Giroto, Elza Cristina Araújo dos Santos, Mariane Mariano e Ana Paula Amorim Dolzan).