A 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou as provas e absolveu um traficante porque um policial militar descobriu 267 quilos de maconha ao se passar pelo réu no telefone celular. O caso é polêmico e resultou na absolvição de Antenogines Silva Berger, condenado a oito anos e dois meses de prisão em regime fechado. Ele usou documento falso e capotou o carro com a droga na fuga.
Conforme o relator, ministro Rogério Schietti Cruz, é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas. No caso, o policial militar rodoviário não deveria ter pego o celular do réu apenas com base na suspeita de que ele poderia estar agindo como batedor da droga.
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“Cabe salientar, de início, que o paciente nem sequer estava preso em flagrante no momento em que teve seu celular atendido pelo policial, uma vez que nada de ilegal foi encontrado após a revista no veículo que conduzia. Na ocasião, portanto, não havia justificativa idônea nem mesmo para apreender o celular do réu, muito menos para o militar atender a ligação e, pior, passar-se por ele de forma ardilosa para induzir o corréu a erro e fazer com que acreditasse estar livre de fiscalização policial a rodovia pela qual trafegava, o que veio a ensejar a abordagem e o encontro das drogas no automóvel do referido comparsa”, pontuou.
“Ausentes quaisquer das hipóteses que permitissem excepcionar a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, não poderia o agente de segurança pública ter atendido ligação direcionada ao acusado sem o seu consentimento e, ainda, manipulado o diálogo a fim de enganar o outro interlocutor e levá-lo à prisão em flagrante, em uma espécie sui generis de ‘interceptação telefônica ativa’. Ao atender o telefone, forjar a sua identidade e mentir para o corréu, o policial assumiu o papel do real destinatário da ligação e teve acesso – de forma sub-reptícia – ao conteúdo privado de comunicação telefônica destinada exclusivamente ao paciente, circunstâncias que impingem nítida mácula às provas por esse meio colhidas e a todas as que delas derivaram”, ressaltou Cruz.
“Na espécie, o fato de os acusados já serem previamente investigados pela polícia, a qual tinha informações de que eles fariam o transporte de entorpecentes, não bastava para assegurar que as drogas seriam apreendidas e eles, presos de qualquer forma”, frisou.
O caso ocorreu na Base de Amandina, em Ivinhema, por volta das 12 do dia 6 de maio de 2012. Antenogines conduzia um carro e foi parado pela PMR. O policial desconfiou que ele estava atuando como batedor e atendeu uma ligação feita para o seu celular. Do outro lado da linha, José Carlos Romana perguntou: “os botas está beleza?”.
O questionamento era referência a blitz no caminho. O policial respondeu positivamente e determinou ao colega que parasse todos os carros até encontrar a maconha com Romana. Só que enquanto vistoriava o bagageiro, Antenogines pegou o carro e saiu em fuga. Ele capotou o veículo a dois quilômetros do local e fugiu.
Inicialmente, a PM autou e o MPE denunciou Éder Vilela Nascimento pela fuga e pela droga. Somente depois, a polícia descobriu que Antenogines Silva Berger tinha usado documento falso. Ele acabou preso no Espírito Santo. A droga seria levada de Amambai, no sul do Estado, para a região capixaba.
Romana e Berger foram condenados por tráfico de drogas e associação criminosa a oito anos e dois meses de prisão pelo juiz Rodrigo Barbosa Sanches, da 1ª Vara de Ivinhema. A sentença foi mantida pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul em agosto do ano passado.
A Defensoria Pública recorreu e conseguiu anular as provas porque foram obtidas de forma ilícita. “Cabe lembrar, por oportuno, que o objetivo da ligação do corréu José Carlos ao paciente – ‘interceptada’ pelo policial – era justamente o de verificar com ele, que atuava como batedor, se era seguro prosseguir no transporte da droga ou se havia fiscalização policial, a evidenciar que o desfecho poderia ter sido completamente diverso – fuga, desvio de rota, desfazimento das drogas etc – se o militar não houvesse atendido a ligação e, fazendo-se passar pelo réu, garantido ao comparsa que ele poderia continuar sem receios por aquele caminho”, conjecturou o ministro do STJ.
“A defesa aduz, em síntese, que ‘toda a presente ação penal se desenrola a partir da ‘apreensão’ ILEGAL do aparelho celular do suspeito pelos policiais responsáveis pela abordagem, que, sem qualquer autorização do réu ou da Justiça, atendeu chamada que não lhe era destinada e conversou com suposto traficante, o encorajando a passar a barreira policial que estaria vazia, passando-se por um dos acusados”, destacou.
“Ordem concedida para anular toda as provas colhidas e absolver o paciente”, determinou a 6ªTurma do STJ por unanimidade. O alvará de soltura do réu foi expedida pela Justiça no último dia 14 deste mês.