A juíza Sabrina Rocha Margarido João, da 2ª Vara Cível de Ponta Porã, afirmou que a condenação do presidente do Tribunal de Contas do Estado, conselheiro Flávio Kayatt, foi “mero rascunho”. Apesar de ser de 22 de julho de 2022, a sentença, que condenou o atual chefe da corte fiscal, foi publicada no dia 1º de abril de 2024 e apagada, literalmente, quatro dias depois, em 4 de abril do ano passado.
O fato inédito em qualquer instância do Poder Judiciário brasileiro causou espanto no promotor de Justiça Radamés de Almeida Domingos. “Ocorre que, no presente caso, sem qualquer motivação plasmada, foram tornados ‘sem efeito os atos posteriores à sentença já excluída dos autos’ (sic – p. 1145). Ou seja, a sentença, já publicada, foi ‘excluída’”, frisou.
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“Excelência, infelizmente, não foi possível a esta parte, da maneira como está o decisium, compreender o que houve nos autos, nem mesmo para atender o que consta na parte final do item n. 2 de p. 1145, ou, eventualmente, recorrer à instância superior”, ponderou o promotor, tentando entender o ineditismo da medida, a juíza publicou a sentença e quatro dias depois apagou, mesmo com o resumo publicado no Diário Oficial da Justiça.
“A sentença foi publicada e mesmo ‘excluída’ do processo, antes fora publicada em órgão oficial, à míngua de recurso voluntário pelas partes, tampouco correção explícita de inexatidão material ou erro de cálculo, de modo que segue que segue a produzir os seus efeitos”, lamentou Domingos.
Juíza explica sumiço de condenação
Na última quarta-feira (12), Sabrina João dá, pela primeira vez, uma satisfação à sociedade sobre o motivo de desparecer com uma sentença que condenou o conselheiro do TCE. “Verifica-se, ainda, que referida decisão limitou-se a determinar a exclusão dos atos posteriores à sentença, a qual já havia sido excluída nos autos, sem, no entanto, explicitar às partes o respectivo motivo”, admitiu a magistrada.
“Contudo, nota-se que a sentença excluída, em verdade tratava-se de mero rascunho, e, por equívoco, inclusive reportado à Secretaria de Tecnologia de Informação do Tribunal de Justiça, que ensejou a apuração interna dos fatos, fora liberada durante as férias desta magistrada, pela juíza em substituição legal, que não a redigiu”, contou a juíza, sem dar detalhes de quem redigiu a sentença que poderia levar o atual presidente do TCE a perda do cargo de conselheiro.
“Por esse motivo, ao tomar conhecimento da situação, a magistrada substituta excluiu referido documento dos autos, em data de 05/04/2024 conforme certificado à f. 1.128”, relatou, sem considerar que não há amparo legal para o sumiço da sentença.
De acordo com o promotor Radamés de Almeida Domingos, após ser publicada, uma sentença só pode ser alterada, conforme o artigo 494 do Código do Processo Civil. “Neste fanal, vejamos o regramento do art. 494 do CPC: “Art. 494. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la :I – para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração”, destacou o promotor.
A juíza optou por atribuir o caso ao erro e encerrou a história, determinando que o processo seja retomada da fase em que determinou que as partes se manifestem sobre a nova Lei de Improbidade Administrativa, sancionada por Jair Bolsonaro (PL) em 2021, que dificultou a punição dos casos de improbidade administrativa.
“A fim de se evitar eventual alegação de decisão surpresa e objetivando garantir-se o amplo contraditório, tendo em vista as profundas modificações promovidas pela Lei º 14.230/21 na Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre improbidade administrativa, intimem-se as partes para que se manifestem no prazo sucessivo de 15(quinze) dias, iniciando-se pelo auto”, determinou.
A denúncia contra Kayatt foi protocolada pelo MPE há sete anos, no dia 8 de dezembro de 2017, coincidentemente, o dia da Justiça.