Campo Grande é uma cidade conhecida pelas altas temperaturas, a baixa umidade e a má qualidade do ar. As condições pioram em tempos de queimada e, inevitavelmente, as atenções estão voltadas para a saúde. Poucas são as relações sobre como a saúde, nessa combinação, também é desfavorecida pelo ambiente escolar. E quem, contudo, percebe todos os dias a relação são os estudantes da rede municipal de ensino da Capital, ao permanecerem em salas de aula sem qualquer climatização.
Na avaliação de um professor da rede municipal ouvido pelo O Jacaré, o despreparo para enfrentar as elevadas temperaturas é a tradução da falta de empenho do município na educação. Na verdade, é a ponta do iceberg. “Os prédios são antigos, há várias escolas que não têm uma fiação adequada para instalação de ar condicionado, por exemplo. Isso deixa os alunos muito agitados devido ao calor mesmo. Então, aí quem vai querer ficar na sala né? Pedem para sair a toda hora. Em dias mais quentes, até a gente, se pudesse, sairia, porque há dias que chegam a ser insalubres. E há diferença, porque dou aula em uma escola climatizada e o comportamento dos estudantes é diferente”.
Desafios de Campo Grande e propostas:
Apesar de “ajuda” de R$ 40 mi e tarifa cara, transporte coletivo segue um pesadelo na Capital
Fila de 68 mil, espera de 12 anos, falta de leitos … doentes apelam a fé para sobreviver ao caos
Enigma desde anos 60, esvaziamento do Centro vira problema sem solução à vista e gargalo
Se não adapta escolas ao conforto térmico adequado em uma cidade em que o calor só vira notícia quando atinge níveis extremos, a gestão municipal também está desatualizada naquilo que deveria ser o cerne da educação: os recursos necessários para o desenvolvimento das atividades pedagógicas. “Não há tantos recursos tecnológicos, sala de tecnologia com computadores adequados, laboratórios de modo geral. Além disso, há salas extremamente lotadas, o que dificulta o trabalho docente”, descreve.
O professor destaca que a falta de opções tecnológicas implica na limitação das atividades. “Há opções tecnológicas que podem ser elaboradas além da atividade do livro didático. Eu, particularmente, gosto de usar a gamificação em algumas de minhas aulas, mas na rede municipal isso é um pouco difícil, pois exigiria uma internet de qualidade e, talvez, alguns computadores”.
As dificuldades são percebidas todos os dias pelos filhos de Eduardo Henrique Biruel, que têm 11 anos e frequentam uma escola do ensino fundamental no município. “Como pai e analisando sob o ponto de vista estrutural, percebo uma visível deficiência para as demandas da vida cotidiana, inclusão digital, acesso à internet de qualidade”.
Pai afirma que educação ruim é projeto
Eduardo pondera que, “do ponto de vista pedagógico, a rede municipal padece dos mesmos problemas das demais redes de educação do Brasil, a dissonância entre o que/como são ensinados os conhecimentos com a real demanda da sociedade atual”.
Para o pai, que também é professor do ensino fundamental, mas da rede estadual, “essa problemática passa pela formação e pela desvalorização dos educadores, é difícil buscar novas formas de metodologias de aprendizagem quando a rede que deveria oferecer condições para os educadores se qualificarem não garante tempo nem condições financeiras para tal”.
Quando analisa a educação na Capital, Eduardo Biruel também critica o atraso da cidade em relação a projetos que já avançaram em outros países, como a escola de tempo integral. “Há a inviabilidade da implementação de escolas de tempo integral para uma etapa de ensino que interfere diretamente no desenvolvimento cognitivo das crianças, na contramão das práticas educacionais de todos os países desenvolvidos, o que me deixa extremamente descrente no futuro do meu País, como dizia antropólogo Darcy Ribeiro: ‘A crise da educação no Brasil não é uma crise: é um projeto’”.
Campo Grande patina para trás no Ideb
Para as escolas municipais de Campo Grande, a crise também é revelada pelos números. Dados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira), usado para medir qualidade da educação no Brasil, apontam que a capital sul-mato-grossense está na 21ª colocação (entre 27 capitais) para os anos iniciais da rede pública.
Os dados, que refletem o desempenho de 2023, revelam que o município tem a sétima pior nota entre as capitais para os anos iniciais da rede pública, com 5,3 na edição 2023, frente aos 5,4 da edição de 2021. Entre os piores, Campo Grande está ao lado apenas de Salvador por não conseguir melhorar os índices e que desceram entre os dois levantamentos.
No bojo dos motivos que revelam o mau desempenho, estão também são reflexo do tratamento com o funcionalismo, como destacou a ACP (Sindicato Campo-grandense dos Profissionais da Educação Pública), que apresentou às candidaturas para prefeitura um documento composto por 25 diretrizes e promoveu debate entre os postulantes ao cargo, em 20 de agosto.
Integram o documento, o pedido de cumprimento integral da Lei nº 7.119, de 4 de outubro de 2023, referente à integralização do valor do piso nacional do magistério por 20 horas na Capital e o cumprimento do Plano de Cargos e Carreiras do Magistério Público Municipal. Os profissionais do magistério, também pediram o estabelecimento de um cronograma de cumprimento de pagamento dos valores retroativos dos direitos da carreira que foram suspensos. Outra solicitação apresentada pela categoria foi a construção de uma política de desoneração da contribuição previdenciária dos servidores aposentados, que foram impactados pela última reforma da previdência.
ACP cobra estrutura física em escolas e tratamento adequado para funcionalismo
O documento da ACP também levou aos candidatos a cobrança sobre o desenvolvimento de políticas de promoção da saúde mental e como forma de garantir celeridade e atendimento humanizado no setor de perícias do município para a ocasião da avaliação dos afastamentos médicos dos servidores. Em relação à estrutura, foi cobrada a climatização adequada nas unidades e o fornecimento de equipamentos e materiais pedagógicos.
Os profissionais querem o comprimento da obediência da demanda de vagas na educação infantil por meio de ampliação de salas de aulas , bem como o cumprimento da legislação que regulamenta o número de alunos por turma, com vistas a evitar a superlotação nas salas de aulas.
As questões relativas à educação em Campo Grande foram levadas à assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Educação, que confirmou a recepção das perguntas, mas não devolveu as respostas. O espaço permanece aberto, caso haja resposta.
Desafios de Campo Grande
Esta é a 4ª reportagem de O Jacaré sobre os Desafios da próxima prefeita ou prefeito de Campo Grande. Até o momento, falamos sobre o esvaziamento do Centro, transporte coletivo e saúde.
Amanhã, a proposta dos candidatos para a educação pública da Capital.