Ano vai, ano vem; prefeito entra, prefeito sai e assim segue há décadas o transporte público em Campo Grande: ônibus velhos e lotados, demorados e tarifa cara. Este é um dos cenários incluídos no índice dos desafios dos candidatos que brigam pelo comando da capital sul-mato-grossense. A eleição acontece daqui três semanas.
Passageiros campo-grandenses, aos milhares, desembolsam R$ 4,75 para atravessar a catraca dos ônibus, uma das taxas mais puxadas do país.
Desafios de Campo Grande e propostas:
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O custo da passagem assusta ainda mais quando entra na conta um outro encargo conhecido como tarifa técnica, hoje fixada em R$ 5,95.
Dados recentes, do mês passado, da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), indicam que 159 mil passageiros são transportados em dias úteis pela cidade, dos quais 102 mil pagam a passagem, 26 mil são estudantes, não pagam, 20,5 mil possuem outras isenções e ainda 10,5 mil passageiros utilizam integração temporal. A população da cidade já quase alcança 1 milhão de habitantes.
Quando tal custo entra em questão, ora em debates judiciais, ora em audiências envolvendo a prefeitura e os donos dos ônibus, o consórcio Guaicurus, integrado por quatro empresas, a Viação Cidade Morena Ltda (empresa líder), Viação São Francisco Ltda, Jaguar Transporte Urbano Ltda e a Viação Campo Grande Ltda, sustenta que a tarifa técnica não é um custo cobrado dos passageiros e, sim, dos conhecidos subsídios pagos pela prefeitura campo-grandense e o governo estadual.
A ideia que fica é a de que a tarifa técnica em nada mexe nas finanças dos passageiros, os pagadores de impostos. Afirmativa em questão é controversa.
A prefeitura paga ao consórcio, em nome do tal subsídio, R$ 19,5 milhões anuais; já o governo estadual, ano passado, desembolsou R$ 10 milhões e há uma promessa de dobrar o valor neste ano. Ou seja, o poder público, para suavizar os ânimos da empresa dos ônibus na hora de negociar os reajustes das passagens, já entra com quase R$ 40 milhões na conversa.
Além da contribuição pública, os ônibus não pagam outro tributo, o ISS, imposto sobre serviços. Subsídio é uma espécie de patrocínio, no caso, para compensar a gratuidade dos passageiros estudantes.
Ou seja, os recursos municipais ou estaduais, são juntados por meio de impostos pagos pela população. Num claro português: é do bolso do usuário que precisa do ônibus que sai o valor da tarifa cobrada à vista, diariamente, e também os subsídios.
Assunto quente
Recente decisão judicial suspendeu uma ação tocada pelo consórcio dos ônibus contra a prefeitura. Os empresários pedem o aumento na soma do subsídio. Quer que a tarifa técnica suba dos atuais R$ 5,95 para R$ 7,79.
Ao menos por enquanto, o judiciário suspendeu o processo da causa por achar confuso os argumentos até aqui debatidos.
Por enquanto, então, a passagem segue R$ 4,75 e a tarifa técnica, R$ 5,95.
O consórcio quer por que quer o aumento da tarifa porque, segundo ele, as empresas que tocam os ônibus amargaram expressiva queda no número de passageiros, daí a queixa pelo reajuste.
Para entender mais sobre a queda de braço travada entre a prefeitura e os empresários dos ônibus, o Jacaré ouviu o presidente da Comissão Permanente de Transporte e Trânsito da Câmara dos Vereadores, o coronel Alírio Villasanti (União Brasil)
“Os subsídios são direcionados a manter o preço mais baixo possível”, afirmou o parlamentar. Villasanti acrescentou ainda que além da ajuda municipal e estadual, o governo federal, ao menos o passado, também contribuiu com uma cota ao consórcio, meio de compensar a gratuidade dos passageiros idosos.
Ainda assim, segundo o presidente da comissão, os passageiros dos ônibus, com frequência reclamam dos serviços do transporte urbano. Ele elencou as queixas:
“Lotação de algumas linhas nos horários de pico; aglomeração em alguns horários nos terminais; terminais sem a devida manutenção e pontos de ônibus sem abrigo (mais de mil nesta situação)”, segundo Villasanti.
Quanto ao reajuste das tarifas pelo uso dos ônibus, pleiteado pelo consórcio, que alega desequilíbrio financeiro, perdas, no caso, assim se manifestou o presidente da Comissão de Transporte e Trânsito:
“A fiscalização do contrato é da Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos (AGEREG), além do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do próprio Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MP/MS). A alegação do Consórcio Guaicurus é de que tem que ter o equilíbrio econômico-financeiro”, afirmou Villasanti.
Ou seja, a fiscalização acerca dos reajustes das passagens é amparada por órgãos competentes que, em tese, deveria ficar de olho vivo nos números e nos serviços prestados à população.
Até os vereadores da cidade, 29 ao todo, teriam como missão espiar o andamento do transporte público da cidade, com frequência criticado pelos usuários.
“A própria Comissão Permanente de Transporte e Trânsito da Câmara Municipal, também fiscaliza o transporte coletivo em geral. Os dados que definem a tarifa vêm da AGEREG após ouvido o Conselho Municipal de Regulação e Controle Social, órgão paritário da sociedade e órgãos públicos, tarifa técnica e tarifa pública”, disse o chefe da Comissão criada para acompanhar o cotidiano dos ônibus.
Então, por que as queixas sobre o transporte público seguem para o judiciário resolver?
“Temos cobrado insistentemente melhorias nos serviços, realizando inúmeras reuniões com o Ministério Público, com a Defensoria Pública, com o Tribunal de Contas, entre outros atores públicos e representativos da sociedade. Cabe a prefeitura fazer cumprir o que é definido nestas reuniões”, foi o que respondeu Alírio Villansanti.
Nos dois últimos anos, a Câmara dos Vereadores tentou criar uma CPI para investigar eventuais irregularidades praticadas pelo Consórcio Guaicurus, mas a ideia não prosperou. Por que?
“Assinei requerimento para instauração de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI´S), para investigar o transporte coletivo, tendo em vista que este contrato é de 2012, implantado na época da gestão municipal do então prefeito Nelsinho Trad [hoje senador do PSD], cujos critérios estão estabelecidos no Edital de Concorrência nº 082/2012 e Contrato de Concessão nº 330, de 25 de dezembro de 2012. Mas nenhuma das duas CPI´S que assinei, foram instauradas”, sustentou Villasanti.
Ainda de acordo com o parlamentar, as reclamações que chegam à comissão são de passageiros que moram em bairros afastados da parte central da cidade, da região urbana conhecida como Anhanduizinho. Esta localidade abarca bairros como Jockey Club, Aero Rancho, Los Angeles, Guanandi, Jacy, Dom Antônio Barbosa e Nhá-Nhá.
Mas as queixas atingem outros bairros, também em partes distintas da cidade. A reportagem ouviu passageiros que esperam ônibus em pontos situados na região central. Muitos relataram problemas de atraso e ônibus sucateados, mas poucos concordaram em aparecer na reportagem. Disseram já ter feito isto, mas sem desfecho, ou seja, os problemas seguiram.
Usuário reclama da demora
Um dos passageiros que concordou em falar do assunto, Hudson Inácio Pereira Júnior, 24, profissional da área de informática, disse que depende há década do transporte urbano e sempre enfrentou problemas na hora de pegar o ônibus, principalmente a demora.
Ele mora no Bairro Santa Luzia, parte norte da cidade e, todos os dias da semana, espera por ônibus logo pela manhã e só retorna para a casa no fim do dia. Ônibus de reforço, por lá só à noite, mas precisaria pela manhã também, disse o passageiro.
Hudson reclama também que havia a promessa de os ônibus serem equipados com ar condicionado e também Wi-Fi, a tecnologia de rede sem fio que serve para fornecer acesso à internet.
“Nada disso. Isso não passou de promessa política, apenas”, afirmou Hudson, que acrescentou:
“Fora o preço do ônibus, acho que deveria custar uns R$ 3, mas a tarifa já beira à casa dos R$ 5, um absurdo”, queixou-se o passageiro.
Os desafios de Campo Grande
O Jacaré vem realizando uma série de reportagens sobre os principais desafios da próxima gestão de Campo Grande, disputada por oito candidatos. Já falamos sobre o esvaziamento do centro, do caos na saúde e do transporte coletivo.
Amanhã, a proposta dos candidatos para resolver a crise eterna no ônibus urbano.