A promotora de Justiça Luz Marina Borges Maciel Pinheiro moveu ação civil pública para apurar a ausência de manutenção e conservação da Igreja Católica São Benedito, segunda mais antiga erguida em Campo Grande, em 1919, há 105 anos.
O templo religioso, construído a partir de uma promessa da ex-escrava Eva Maria de Jesus, a Tia Eva, virou patrimônio histórico e cultural e foi tombado tanto pelo município quanto pelo estado de Mato Grosso do Sul.
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Pela ação do MPE, o restauro da igreja, se desprezado, pode motivar multa diária contra os denunciados no valor de R$ 10 mil. Em 2021, o governo estadual anunciou que havia um projeto pronto com intuito de restaurar o prédio, contudo foram-se três anos e a ideia não evoluiu.
Consta no processo, que Tia Eva era uma ex-escrava que morava em Goiás e veio morar em Campo Grande assim que conquistou a carta de alforria. Ela veio junto com as três filhas e outros ex-escravos. Naquela época, Eva tinha uma ferida na perna de longa data, a qual não cicatrizava.
Devota de São Benedito, ela fez uma promessa ao santo de construir uma igreja em sua homenagem caso fosse curada, sendo que no ano de 1905, assim que apontou em Campo Grande, Eva teria se livrado da doença e, logo, ergueu uma “singela igreja de pau a pique”, informou a ação civil.
Catorze anos depois, em 1919, foi construída uma igreja, desta vez com paredes de alvenaria e telhados, a qual, sustenta a ação: “encontra-se naquela comunidade até os dias atuais, sendo símbolo de religiosidade, de tradição pela festa anual em homenagem ao santo realizada pelos descentes da ex-escrava, por abarcar em seu interior os restos mortais de Tia Eva, por toda a imensa carga histórica de um povo negro que lá criou raízes”.
A comunidade fica no Jardim Seminários aos redores da UCDB, a Universidade Católica Dom Bosco.
A promotora assim justificou o apelo pela restauração do prédio:
“Esse instrumento legal protetivo torna inequívoca a importância e o valor cultural da edificação mencionada, visto que acumula atributos arquitetônicos, histórico, referenciais, afetivos, de raridade e identidade, porquanto trata-se de bem histórico-cultural que deve ser mantido em bom estado de conservação”.
Aparece na apelação trecho de um relatório preparado em 2017 pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo acerca dos prédios tombados na cidade e que os inspetores viram de errado na Igreja São Benedito.
Note alguns:
- Acesso inadequado ao interior do bem, ausência de pisos táteis e rampas;
- Ausência de sanitários, inclusive acessíveis;
- Presença de anexos espúrios, que afetam a ambiência e visibilidade do edifício histórico e em estado de abandono e degradação física;
- Cobertura: telhas quebradas, perda de capas de cumeeira, perda de telhas em beirais, possibilidade de presença de térmitas (cupim), apodrecimento de madeiras. Informação sobre risco de desabamento pelos dirigentes;
- Alvenarias externas: fissuras aparentemente não comprometedoras, bolhas na camada de tinta e sujividade;
- Alvenarias internas: fissuras aparentemente não comprometedoras, manchas de água no topo das vedações;
- Pisos externos: fissuras, degradação de materiais, desnivelamento de pisos, lacunas de materiais;
- Esquadrias: apodrecimento de madeiras, ressecamento e fendilhações da madeira, problemas básicos de manutenção;
- Instalações: instalações elétricas sem manutenção e inadequadas, ausência de projeto de prevenção contra incêndio e pânico, inexistência de treinamento de pessoal, ausência de drenagem no terreno.
Nota-se que pelo relatório a igreja de um século corre o risco de ruir, cair, desmoronar.
Também segundo a ação, a restauração não foi posta em prática por ter surgido um impasse acerca da titularidade do imóvel. Surgiu a dúvida, se a igreja teria sido construída em propriedade do município, estado ou da comunidade da Tia Eva.
Ainda assim na ação do MPMS, ficou acertado que:
“O fato é que a ausência de ações de conservação preventiva, bem como de manutenção permanente, além de não conter os efeitos deletérios do tempo e de intempéries, majora a deterioração e arruinamento do imóvel”, escreveu a promotora, a acrescentou:
“Busca-se, portanto, com a presente Ação Civil Pública, a imposição aos requeridos do cumprimento de suas obrigações legais acerca da manutenção e restauro do patrimônio histórico Igreja de São Benedito”.
O MPE pede que município de Campo Grande apresente, no prazo de 10 (dez) dias, cópia integral do projeto final de Restauro da Igreja de São Benedito e Requalificação do seu Entorno, finalizado e apresentado em julho de 2021 pelo arquiteto responsável por sua elaboração, contendo todos os arquivos de imagens.
A ação pede também que no prazo de 45 dias apresente comprovação da previsão orçamentária para a execução da obra de restauro da Igreja de São Benedito.
Conclui a ação:
“Ademais, requer a procedência dos pedidos para que os requeridos Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul e Município de Campo Grande sejam condenados, no mérito, às obrigações previstas no pedido liminar anterior, mantida a imposição de multa para o caso de descumprimento, condenando-os ainda nas seguintes obrigações, sob pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia e/ou descumprimento”.
Ao menos até esta quinta-feira (16), a Fundação de Cultura de MS nem a prefeitura de Campo Grande tinham se manifestado quanto a ação por reparo da igreja proposta pelo MPE.