O ex-procurador-geral do Ministério Público Estadual Miguel Vieira da Silva foi absolvido da acusação de cobrar propina mensal de R$ 300 mil para interferir em investigações e não denunciar o ex-prefeito de Dourados Ari Artuzi. O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa decidiu que a denúncia “não restou suficientemente corroborada pelas provas produzidas nos autos”, quase 14 anos depois do escândalo que originou investigação.
Depoimentos de promotores do MPE e integrantes do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), da época das apurações contra Artuzi, que faleceu em 2013 vítima de câncer, contribuíram para descartar suposto tráfico de influência e interferência nas investigações por parte de Miguel Vieira. O magistrado também definiu que não ficou comprovado enriquecimento ilícito do ex-chefe do órgão ministerial.
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O processo é moroso e só teve a conclusão após intervenção do Conselho Nacional do Ministério Público, que avocou o processo disciplinar em abril de 2012. O caso ficou por um ano e meio, desde setembro de 2010, na Corregedoria do MPE.
O CNMP concluiu que Miguel Vieira da Silva cometeu os crimes de improbidade administrativa, tráfico de influência, corrupção, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito e revelou segredos obtidos pela prerrogativa do cargo.
A denúncia foi protocolada em 23 de abril de 2014 pelo então procurador geral de Justiça, Humberto de Matos Brittes, e pelos promotores do Patrimônio Púbico, Ana Carolina Castro, Alexandre Saldanha e Henrique Cândia.
Conforme gravação feita pela Polícia Federal na Operação Uragano, deflagrada em setembro de 2010, o então procurador-geral de Justiça recebia R$ 300 mil de propina para proteger o prefeito de Dourados na época, Ari Artuzi. A revelação foi feita pelo primeiro-secretário da Assembleia na ocasião, Ary Rigo (PSDB).
No total, conforme a denúncia do Ministério Público, o ex-chefe da instituição movimentou R$ 880 mil sem comprovação da origem. O montante inclui depósito de R$ 249 mil sem origem comprovada, compra de apartamento da Plaenge em Campo Grande (R$ 211 mil), um imóvel em Bonito (R$ 50 mil) e aquisição de apartamento em Maceió (R$ 320 mil).
Acusação sem provas
Durante o processo, a defesa do ex-procurador-geral Miguel Vieira da Silva afirmou que as informações de Ary Rigo na gravação que deu início às investigações, nenhuma restou comprovada e nenhum membro do Ministério Público envolvido nas apurações levadas a efeito em desfavor de Ari Artuzzi levantou qualquer suspeita acerca de sua conduta nas ações ministeriais.
Os advogados dizem que as investigações na área criminal foram arquivadas e que Ari Artuzzi foi sim denunciado ao fim das apurações, “o que demonstra que jamais houve qualquer ação a favorecer quem quer que seja”. A defesa destaca que o patrimônio do ex-chefe do MPE é “perfeitamente compatível” com seus rendimentos.
Denúncia completamente desconstruída
O juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, proferiu sua sentença no dia 9 de abril de 2024, poucos dias antes de a denúncia completar 10 anos de tramitação.
Sobre a suposta propina de R$ 300 mil recebida por Miguel Vieira para proteger Ari Artuzi, o magistrado decidiu que “não restou suficientemente corroborada pelas provas produzidas nos autos”.
“Com efeito, não obstante o volume de documentos juntados com a inicial e outros elementos angariados no decorrer da instrução, em nenhum deles a versão apresentada no vídeo foi minimamente confirmada”, diz o juiz.
“De fato, não restou demonstrada a percepção do alegado pagamento mensal de R$ 300.000,00, pois, em que pese após a quebra do sigilo bancário e fiscal do requerido tenha se constatado depósito de valores em sua conta sem identificação de origem no período compreendido entre os anos de 2008 a 2010, a somatória desses depósitos (R$ 249.100,00) sequer chegou a quantia que lhe era atribuída como pagamento mensal no referido diálogo (R$ 300.000,00)”, relatou.
“Ademais, ainda que no relatório contábil de fls. 214-33 tenha se averiguado a existência de alguns depósitos não identificados em contas bancárias de titularidade do requerido, isso, por si só, não é suficiente para comprovar que os respectivos valores foram recebidos indevidamente por ele em razão do exercício da função pública que exercia para a prática de algum ato que beneficiasse o então prefeito de Dourados, Ari Artuzi”, completa.
No que se refere a uma suposta ingerência do ex-chefe do Ministério Público Estadual na investigação para abrandar os termos de eventual acusação, também não restou provada, de acordo com Ariovaldo Nantes.
“Ao serem ouvidos em juízo, referidos membros do Ministério Público estadual confirmaram os termos dos depoimentos que prestaram nos autos do procedimento administrativo disciplinar instaurado contra o requerido, oportunidade em que ratificaram que o requerido os designou para apuração dos fatos envolvendo o então prefeito de Dourados, Ari Artuzi, e que não sofreram qualquer tipo de coerção ou influência por parte dele para abrandar, retardar ou direcionar a investigação em determinado sentido”, informa o magistrado.
Os depoimentos dos membros do Ministério Público corroboram no sentido de que ocorreu o contrário do apontado pela denúncia. Eles dizem que foram incentivados pelo chefe a agilizar as investigações, tanto que foi encerrada em cerca de 4 meses, sendo que ao final da apuração até apresentaram minuta de denúncia criminal contra o então prefeito.
“Como se vê, a versão apresentada na inicial de que o requerido teria recebido dinheiro para retardar/direcionar a investigação ou acobertar ilícitos penais praticados pelo então prefeito de Dourados, Ari Artuzi, restou completamente desconstruída pela prova produzida nos autos”, afirma o juiz em sua sentença.
“Pois considerar o contrário seria o mesmo que admitir a participação, o conluio desse outros promotores de justiça (integrantes do GAECO) designados para apuração dos fatos envolvendo referido chefe do Poder Executivo municipal com o requerido para beneficiar de algum modo o mencionado gestor municipal, o que nem de longe se cogitou, quer nesta ação quer em outro feito, mesmo porque não há qualquer indício de que isso tenha ocorrido”, completou.
Também foi descartado o enriquecimento ilícito por parte de Miguel Vieira da Silva enquanto estava no cargo de procurador-geral do MPE.
“Como a prova colhida é insuficiente para comprovar que eventual evolução patrimonial do requerido no período de junho de 2008 a fevereiro de 2010 foi incompatível com seus rendimentos na época e decorreu do recebimento de vantagem indevida por ele em razão da função pública que exercia, inviável a configuração de ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito”, decidiu o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa.
A sentença foi disponibilizada no processo nesta terça-feira (16).