Interessar-se pela eliminação da miséria e da pobreza está no cerne de uma profissão centenária, a Assistência Social, trabalho para o qual Carmen Ferreira Barbosa, aos 70 anos, ainda se dedica. Carminha, como é conhecida pelos amigos e familiares, enxerga o percurso profissional sob a lente de uma mulher que, sozinha, precisou criar três filhas, atuar em favor de companheiros e companheiras de labuta e, ainda, encontrou espaço para militar na política.
Em declarações carregadas de orgulho, Carminha se traduz como “uma senhora de 70 anos, mãe, avó e trabalhadora”. Hoje, é presidenta do Conselho Regional de Serviço Social de Mato Grosso do Sul, instituição que regula a carreira para a qual ela dedicou, antes da aposentadoria, 30 anos na Prefeitura de Campo Grande. E foi no ambiente do funcionalismo municipal que consolidou a visão sobre a profissão, essencialmente feminina.
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“Como assistente social, meu trabalho me conecta totalmente com as mulheres, porque a nossa categoria tem uma característica fundante, que é a questão majoritariamente de mulheres no Brasil todo”, diz.
Hoje, contabiliza, existem cerca de 200 mil profissionais com inscrição ativa nos conselhos regionais da Federação Brasileira de Assistência Social. “Em Mato Grosso do Sul, nós somos 4 mil na ativa, em Mato Grosso do Sul, e 6 mil inscritas. Esse trabalho é totalmente, majoritariamente feminino, e a gente deduz assim, por quê? Porque tem muito a ver com a sensibilidade, a nossa sensibilidade social, que o assistente social, quando busca essa formação, já deve ter introjetado dentro de si essa questão do cuidado, do fazer, do defender direitos sociais. Então, a gente tem esse fazer muito voltado para a defesa de direitos, direitos sociais”.
Se no cotidiano profissional o cuidado com o outro marcou Carminha, na vida pessoal foi preciso algum malabarismo para a educação de três filhas. “Bem, eu sou divorciada. Tive três mulheres. Eu nunca fui muito de fazer discursos e ficar falando para elas disso e daquilo, mas eu dei muitos exemplos. Acredito que isso é o importante, é isso que o que fica”.
A assistente social recorda que as meninas ficavam sozinhas para que ela pudesse garantir o sustento da família. “Com elas ainda pequenas, tive que trabalhar fora e estudar para chegar onde cheguei. Houve um tempo em que já não havia mais condições financeiras de ter alguém para ajudar no serviço doméstico, que foi assumido por elas”.
Enquanto a mãe trabalhava, as três filhas de Caminha dividiram as tarefas de casa, mas também estavam responsáveis pela gerência da formação acadêmica. “Cada uma tinha suas funções dentro da casa. E, com 10, 12 anos, cada uma tinham a sua chave para pegar o ônibus, ir pra escola, voltar e cuidar das próprias coisas. Dessa maneira, receberam uma certa independência pela necessidade econômica que eu tinha ao criá-las. Quando tinham 10, 11, 12 anos, eu me divorciei do pai delas. Então, era eu com elas. E assim, elas me ajudavam muito, vivenciavam comigo a nossa realidade difícil economicamente. E elas contribuíram muito, participavam, percebiam tudo. Então, cresceram meninas responsáveis, estudiosas, trabalhadoras”.
Se as limitações financeiras marcaram parte da história da família, a visão política a manteve em linha. “Graças a Deus elas, minhas filhas, são de esquerda como eu, são críticas do mundo, muito boas e eu sou muito orgulhosa delas”. Contribuir para o campo da esquerda, contudo, não representa proteção contra o machismo. “Acredito que atuar na política, nas políticas públicas, na política partidária, ou concorrer a cargo eletivo, sendo mulher, pode representar discriminação. Isso acontece porque parece que a mulher é vista como menos capaz, mais frágil”.
A política é projetada e gerida por homens e as mulheres vão mudar esse desenho
Carminha destaca que o universo social da política ainda é masculino. “Aquele mundo parece ser bem masculino, parece que não tem espaço para nós. Então, e mesmo no campo da esquerda, você vê obstáculos, sim, nessa coisa de, muitas vezes, tentar nos calar, vamos dizer assim, né? Quando o homem fala, as pessoas não interrompem. Agora, quando é uma mulher, muitas vezes somos interrompidas”.
Na prática, alerta, o exercício da cidadania pode sofrer limitações. “Nós estamos galgando com muita dificuldade, é porque parece que a gente tem até introjetado dentro da gente não ser capaz de disputar um cargo político, não ser capaz de disputar um cargo eletivo. São poucas as mulheres que saem do seu mundo, do trabalho, do seu campo de trabalho restrito, da sua casa, para esse mundo mais público. Temos muito a fazer ainda”.
Entre os exemplos citados por Carminha da necessidade de mulheres na política está a violência. “Mato Grosso do Sul é um dos estados campeões de feminicídio, falando percentualmente. Isso dá uma certa insegurança e cabe a nós, mulheres, lideranças fortes, denunciar as agressões e cobrar providências”.