Inspeção do Ministério Público do Trabalho encontrou quinze trabalhadores em situação degradante na Fazenda Salto, no município de Nioaque, região sudoeste de Mato Grosso do Sul, em 2020. A propriedade pertence à Valor Commodities, um dos maiores grupos comercializadores de grãos, carne e pescados de MS, e dono da Fazenda Annalu, que recebeu as gravações da novela “Terra e Paixão”.
A revelação faz parte da série de reportagens do site de “Olho nos Ruralistas – Observatório do agronegócio no Brasil”. Desde a última semana, o portal mostrou o histórico de violações ambientais na fazenda usada pela Rede Globo e em outras propriedades da família Rocha, dona do Grupo Valor.
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A investigação mostrou as conexões políticas do diretor da empresa Aurélio Rolim Rocha, ex-assessor da ministra Tereza Cristina, além de expor as dívidas milionárias da empresa junto às multinacionais Bunge e Seara, que pediram a penhora dos valores pagos pela emissora carioca para gravar na Fazenda Annalu.
Na inspeção do MPT na fazenda de Nioaque, foram encontrados em situação degradante oito menores de 18 anos e três paraguaios. Três deles tinham 15 anos, o que configura trabalho infantil.
Segundo o Ministério Público do Trabalho, as vítimas não recebiam equipamentos adequados para o manejo de agrotóxicos, tampouco tinham acesso a água e sabão para se lavarem após o contato com as substâncias tóxicas.
A denúncia revelada pelo De Olho nos Ruralistas mostra que os trabalhadores eram “forçados a viver em barracos de lona, numa estrutura totalmente improvisada em um curral, dormindo em camas feitas com tábuas e fazendo suas necessidades fisiológicas num buraco, ou então no mato”.
Em uma segunda vistoria, realizada em outubro de 2022, os fiscais encontraram alojamentos ainda precários. Os quartos, divididos por várias pessoas, eram cubículos mal ventilados e com quase nenhum espaço entre as camas. Paredes sem pintura e ausência de armários completavam o cenário insalubre.
Pela jornada diária de até nove horas de trabalho, de segunda a sábado, os empregados recebiam entre R$ 50 e R$ 60 por dia. Somado o tempo de deslocamento, ficavam à disposição dos contratantes por quase 12 horas diárias.
O MPT constatou ainda que os empregadores não realizavam o depósito mensal do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Entre as obrigações dos trabalhadores, estava a limpeza do solo para o plantio de soja. Para isso, eles recolhiam pedras e raízes com as próprias mãos.
Donos da fazenda sabiam das condições degradantes
Desde julho de 2020, a Fazenda Salto vinha sendo arrendada por Maísa Rodrigues da Costa, que teve seu nome inserido na “lista suja” do trabalho escravo. O imóvel de 2.882 hectares pertence a Aurélio Rolim Rocha, o Lelinho, diretor da Valor Commodities, que não foi ouvido durante as investigações.
No entanto, de acordo com o relatório final do Inquérito Policial, apresentado em abril de 2023, “ficou também evidenciado que o gerente e os proprietários da Fazenda Salto sabiam das precárias condições dos trabalhadores”.
Em depoimento à Polícia Federal, a agropecuarista contou que sua família é responsável por terras em outros estados e alegou não ter conhecimento das condições precárias de trabalho na Fazenda Salto porque não visitava o local.
Aos policiais, Maisa afirmou trabalhar ao lado dos irmãos Wanderley e Wanilton Rodrigues da Costa, que assinam como fiadores o contrato de arrendamento da Fazenda Salto. “A gente tem área em Roraima, no Maranhão e aqui no Mato Grosso do Sul”, revelou. “A gente toca 35 mil hectares, eu não tenho como ir nas fazendas”.
No processo, que corre na Vara de Trabalho de Jardim (MS), do Tribunal Regional do Trabalho da 24º Região, Maisa firmou um acordo de pagamento das verbas rescisórias acrescidas de R$ 5 mil a título de indenização por danos morais para cada trabalhador.
O valor total é de R$ 146.286,00, a ser pago em cinco parcelas de R$ 29.257,20. Após a conclusão do inquérito policial, o MPF ofereceu a denúncia em agosto de 2023, sem incluir os proprietários da Fazenda Salto entre os réus. A denúncia foi aceita pela Justiça Federal em agosto do ano passado, pela 3ª Vara Federal de Campo Grande. O processo está em curso.
Em 2022, após a segunda vistoria, Maísa voltou a ser autuada pela fazenda permanecer transgredindo uma série de leis trabalhistas. Ela firmou um novo acordo em março de 2023 para pagamento de R$ 13 mil devido às novas irregularidades constatadas.