O ex-secretário-adjunto estadual de Fazenda André Cance trava uma batalha na Justiça, desde 2019, para anular a investigação da Polícia Federal sobre o recebimento de propina da empresa ICE Cartões Especiais em troca do contrato milionário com o Detran (Departamento Estadual de Trânsito).
O pedido de habeas corpus para interromper a apuração da PF foi rejeitado pela 3ª Vara Federal de Campo Grande e até pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. A defesa de Cance tenta usar o voto vencido favorável ao HC, do desembargador Mauricio Kato, para prolongar uma decisão definitiva.
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Conforme investigação da PF, na Operação Lama Asfáltica, a ICE Cartões pagou propina através da PSG Tecnologia Aplicada, oficialmente em nome de Antônio Celso Cortez, que era sócio do grupo paulista no contrato com o Detran.
A Polícia Federal suspeita que a propina era distribuída entre a mulher do ex-secretário-adjunto de Fazenda, Ana Cristina, a cunhada, Thereza Nunes da Silva, os sobrinhos, Thiago e Raphael Nunes Cance, e o funcionário da esposa, Mário Cassol Neto. O total repassado para eles somou R$ 2,4 milhões.
O percentual pago a título de propina consta da planilha encontrada no escritório de Cance, durante cumprimento de mandado de busca e apreensão na Operação Computadores de Lama, deflagrada em 28 de novembro de 2018.
O percentual da propina variava de 2% para CNH, 3% para vistoria e 7% sobre total repassado.
Na planilha, dos R$ 2,686 milhões repassados pelo Governo do Estado para a Ice Cartões, Cance anotou repasse de R$ 256,3 mil, que representa 9,54% do total. Em mensagens no celular, a esposa, Ana Cristina Pereira da Silva, informou o pagamento de R$ 50 mil, mesmo valor repassado por Cortez.
Para tentar barrar a investigação, os advogados de André Cance alegam que o inquérito na Polícia Federal em Campo Grande é irregular. Eles argumentam que o Detran-MS é autarquia estadual, com receita e patrimônio próprios, vinculada ao Governo de Mato Grosso do Sul e, dessa forma, possível infração ao seu patrimônio deve ser apurada pela Polícia Civil.
O habeas corpus foi rejeitado pela 5ª Turma do TRF3 em setembro de 2020. Porém, a defesa de Cance solicitou a juntada do voto vencido proferido pelo desembargador Mauricio Kato. Isso fez com que o trânsito em julgado do recurso fosse declarado apenas em outubro de 2023.
O voto vencedor, do desembargador Paulo Fontes, considerou regular a investigação pela PF. E ainda afirmou que caso ao final das investigações não se vislumbre a competência da Justiça Federal, os autos serão remetidos à Justiça Estadual, não havendo prejuízo ao acusado.
“No tocante à remessa do inquérito à Polícia Civil, é certo que não há como se falar em incompetência da autoridade policial federal, visto que não exerce jurisdição. Sendo o inquérito policial procedimento administrativo de caráter informativo, ainda que os elementos de convicção tenham sido colhidos por autoridade policial desprovida de atribuição, tal vício não tem o condão de macular as provas nele obtidas, notadamente as decorrentes de medidas cautelares autorizadas pelo Juízo competente para processar e julgar a futura ação penal”, definiu Paulo Fontes.
No último dia 9 de novembro, a juíza substituta Julia Cavalcante Silva Barbosa devolveu o pedido de HC ao TRF3, para que a corte analise embargos infringentes e de nulidade, alegando a tempestividade do recurso e o equívoco na emissão da certidão de trânsito em julgado.