O juiz Marcelo Ivo de Oliveira, da 2ª Vara de Direitos Difusos, inocentou o ex-vereador Roberto Santos Durães (PL), a sócia e uma funcionária da empresa Digix da acusação de improbidade administrativa por enriquecimento ilícito. Ao dar sua sentença, o magistrado criticou as mudanças na Lei de Improbidade Administrativa sancionadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2021, por dificultarem o combate à corrupção.
Conforme a denúncia do Ministério Público Estadual, Durães era suplente de vereador em 2014, quando procurou a Digix e pediu uma caminhonete avaliada em R$ 150 mil para fazer campanha para deputado estadual. A história foi revelada em conversa telefônica entre Danielle Corrêa Maciel Rigottie e o empresário José do Patrocínio Filho, da Pirâmide Informática, interceptada pela Operação Antivírus.
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Em 2016, quando já tinha sido efetivado como vereador, ele voltou a pedir favores à empresa. Danielle contou que o veículo foi doado. No entanto, a doação foi ocultada por uma simulação de compra e venda.
Ao Gaeco, Roberto Durães admitiu o empréstimo do veículo entre 2014 e 2016, mas porque a superintendente da Digix, Suely Ferreira, gostava “de seu jeito e ideias”.
A justificativa não convenceu, e o MPE apresentou denúncia contra Durães, a Digix, os sócios Jonas Schimidt das Neves e Suely Aparecida Carrilhos de Almoas Ferreira e a funcionária Danielle Corrêa Maciel Rigotti. O empresário morreu de covid-19, durante o processo, e foi excluído.
Para o promotor Adriano Lobo Viana de Resende, o grupo praticou corrupção passiva e afrontou os princípios da administração pública. Ele pediu a condenação por improbidade administrativa, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, perderem eventual função pública e pagar multa civil de cem vezes a remuneração, que poderia chegar a R$ 1,5 milhão no caso do ex-vereador.
Antes de dar sua sentença, o juiz Marcelo Ivo de Oliveira criticou a lei que alterou as regras para condenar acusados de improbidade administrativa.
“A Lei nº 14.230/21 surgiu, ao que parece, com o intuito de dificultar ao máximo a caracterização e a punição pela prática de atos de improbidade administrativa, constituindo-se em mais um revés ao já difícil processo de combate à corrupção no Brasil”, avalia o magistrado, com negrito dado pelo mesmo.
“A Lei nº 14.230/21 afastou a possibilidade da mera presunção legal de enriquecimento ilícito caso fosse observada qualquer tipo de vantagem patrimonial ao agente público, passando a exigir que isto ocorra em razão do exercício de mandato, de cargo, de emprego ou de função pública”, prosseguiu.
Ao analisar o caso do ex-vereador e as funcionárias da Digix, Marcelo Ivo decidiu.
“Assim, após análise dos fatos narrados, documentos e depoimentos carreados a este caderno processual, não se verifica que esteja suficientemente comprovado que os requeridos cometeram os atos de improbidade administrativa que lhe são imputados”.
“Na hipótese, para a configuração do ato de improbidade, haveria a necessidade de ser demonstrado que o requerido Roberto Santos Durães possuía a consciência da ilicitude e o desejo de receber bens ou valores em razão da função pública que exerceria (quando ainda era suplente de vereador) e à época em que já atuava como vereador, sendo que, efetivamente, tal dolo específico não restou comprovado no presente caso”, argumenta.
“Atualmente, é preciso que sejam demonstradas as condutas,devidamente encadeadas, que levem ao acréscimo patrimonial indevido, isto é,devem ser comprovados, de forma segura, os atos livres e conscientes voltados inequivocamente para a produção do resultado específico, o que não é o caso dos presentes autos”, completa.
Conforme Marcelo Ivo, o Ministério Público Estadual não comprovou o alegado enriquecimento ilícito de Durães e eventual favorecimento ou vantagem em favor da Digix.
“Na hipótese, sequer poderia o requerido Roberto Santos Durães Dispensar vantagens aos demais requeridos, eis que por ocasião da eventual solicitação de vantagem, ele ainda não exercia o cargo de vereador e, após, a assunção de tal posto, não houve qualquer demonstração ou mesmo sequer a citação de qualquer ato praticado por Roberto Santos Durães, antes ou durante exercício da função pública, em favor dos demais requeridos”, informa.
A respeito da Lei de Improbidade Administrativa, Marcelo Ivo apresenta a mudança que “indica expressa e taxativamente quais são as condutas tidas como atos de improbidade”. E nenhuma delas se enquadra na denúncia do MPE.
“Assim, diante do surgimento da Lei nº 14.230/21, a qual alterou o caput do art. 11, impõe-se o julgamento improcedente da ação quanto ao mesmo, eis que tal ato passou a ser atípico, e, como dito alhures, é possível que a referida lei mais benéfica retroaja para beneficiar o agente”, decide.
“Diante do exposto, julgo o processo com resolução de mérito (art.487, I, CPC) e rejeito os pedidos formulados nesta Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa”, finaliza a sentença publicada no Diário da Justiça da última quarta-feira (17).