Sentença do juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, anulou a efetivação sem concurso público de Rita de Cássia Gomes Xavier. Consequentemente, a poderosa assessora do deputado estadual Zé Teixeira (PSDB) perde a aposentadoria de R$ 13,8 mil paga pela Ageprev (Agência Previdenciária de Mato Grosso do Sul).
Conforme a decisão do dia 3 de abril deste ano, publicada nesta sexta-feira (14), o magistrado julgou procedente ação civil pública protocolada pelo promotor Adriano Lobo Viana de Resende em 15 de março de 2018.
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É a primeira grande vitória do Ministério Público Estadual contra o trem da alegria instituído na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, que efetivou ilegalmente vários assessores de deputados estaduais sem a aprovação em concurso público, mesmo tendo sido contratados após a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Rita de Cássia foi contratada como assessora da Assembleia Legislativa para assessor a bancada do PFL por indicação de Zé Teixeira em 1991. Ela chegou a exercer cargos em comissão em dois períodos curtos, de fevereiro de 1982 a janeiro de 1983 e de janeiro de 1989 a dezembro de 1990.
“Como o requerente busca a declaração de nulidade dos atos administrativos indicados na inicial ocorridos após a promulgação da Constituição Federal de 1988 em razão da inconstitucionalidade pela violação ao princípio do concurso público, deve ser reconhecida a impossibilidade de convalidação pelo decurso do tempo em razão de vícios que eventualmente os tornam ilegais, o que tem amparo no Enunciado 473das Súmulas do Supremo Tribunal Federal, de modo que não restou configurada a prescrição tampouco a decadência”, pontuou o juiz, sobre o pedido da ré em extinguir a ação pela prescrição da irregularidade.
“É incontroverso que a requerida Rita de Cássia Gomes Xavier foi enquadrada e posteriormente aposentada como servidora efetivada Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul sem ter sido previamente aprovada em concurso público”, ressaltou Ariovaldo Nantes Corrêa.
Pela Constituição brasileira, nenhum servidor público pode ser efetivado sem prévia aprovação em concurso público. A Assembleia Legislativa deu um jeito de instituir um grupo especial em 8 de julho de 2003, quando instituiu o Grupo de Natureza Especial, que contemplaria servidores com mais de 10 anos de Casa.
Rita de Cássia foi uma das incluídas. No dia 28 de setembro de 2011, oito anos depois, os deputados aprovaram a Lei 4.090, que efetivou todos os servidores que integravam o grupo especial, criando um novo trem da alegria com o dinheiro público.
Cinco anos depois, no recesso legislativo, entre os dias 22 e 26 de dezembro de 2016, a poderosa assessora de Zé Teixeira pediu a aposentadoria e teve o benefício concedido. Ela acabou recontratada para trabalhar como chefe de gabinete de Teixeira, que assumiu o cargo de primeiro secretário da Assembleia.
O MPE ingressou com outra ação, pedindo a anulação da recontratação de Rita de Cássia, porque ela aderiu à aposentadoria voluntária e, pela lei aprovada pelos próprios deputados, estaria proibida de retornar a um cargo comissionado. Esse processo tramita na 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.
Na sentença publicada ontem, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa cita a Constituição e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal de que não há brecha para a efetivação de nenhum “abençoado” sem concurso público.
“Assim, conclui-se que o provimento para cargo público por meio de ascensão, transposição ou acesso é vedado desde a promulgação da Constituição Federal de 1988”, destacou o magistrado.
“Não se pode olvidar que a segurança jurídica é o princípio que revela previsibilidade e coerência na aplicação das leis, garantindo-se razoabilidade e estabilidade nas relações jurídicas, sendo que a perpetuação de situação de flagrante inconstitucionalidade sob tal pretexto viola o próprio sistema de supremacia da Constituição Federal, o que é inaceitável”, frisa.
Rita de Cássia alegou que não houve irregularidade. Ela pontuou que contribuiu com o MS-Prev por 30 anos e nunca teve a contribuição questionada pelo órgão estadual. “A AGEPREV, na condição de gestora única do Regime Próprio de Previdência Social, elevada ao status de autarquia previdenciária por meio da Lei Estadual nº 3.545/2008, jamais questionou as contribuições previdenciárias que foram vertidas ao sistema por tais servidores, compactuando para que a situação se consolidasse com o tempo”, explicou.
“Legítimo é o ato do Presidente do Poder Legislativo que concedeu a aposentadoria à requerente e a administração pública observou a lei estadual vigente e válida ao tempo em que foi adquirido o direito ao benefício, devendo, em última análise, ser mantido em homenagem ao princípio da segurança jurídica”, alegou.
Para o juiz, a aposentadoria deveria ser concedida pelo INSS, que só pagaria metade do valor pago para a assessora do tucano. Sobre o fato dela ter contribuído para a Ageprev, o magistrado sugere ação própria cobrando a devolução do valor pago ao longo das três décadas.
Rita de Cássia poderá recorrer da decisão. Quando o juiz David de Oliveira Gomes Filho suspendeu a sua recontratação, ela conseguiu liminar concedida pelo presidente do Tribunal de Justiça na época, desembargador Paschoal Carmello Leandro, para continuar atuando como assessora de Zé Teixeira.