Um pedido para aproveitamento de provas emprestadas de dois inquéritos, um no Conselho Nacional do Ministério Público e outro no Superior Tribunal de Justiça, pode ressuscitar a investigação do Mensalão Pantaneiro, denunciado em 2010 e alvo de uma ação popular capitaneada por um grupo de advogados. No entanto, o recurso patina há quatro anos na 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.
O grande mistério é no entorno de uma lista de saques acima de R$ 100 mil feitos na boca do caixa na conta da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, que foi elaborada pelo Coaf, o xerife do sistema financeiro e nunca revelada.
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Conforme a Operação Uragana, deflagrada pela Polícia Federal para investigar um esquema de corrupção na prefeitura de Dourados, o jornalista Eleandro Passaia, então secretário de Comunicação do município, gravou o então primeiro-secretário da Assembleia, Ary Rigo (PSDB), revelando que havia pagamento mensal a autoridades, como o governador, o chefe do Ministério Público, desembargadores e deputados estaduais.
O escândalo foi uma bomba, mas não impediu a reeleição do então governador André Puccinelli (MDB), acusado de receber R$ 2 milhões por mês. Os deputados ganhavam R$ 6 milhões, enquanto o procurador-geral de Justiça, Miguel Vieira da Silva, R$ 300 mil, e os desembargadores do Tribunal de Justiça, R$ 900 mil.
O Ministério Público Estadual ficou surdo diante do escândalo. O STJ abriu inquérito, mas acabou absolvendo os desembargadores. O CNMP levou uma sindicância adiante e concluiu pela punição de Miguel Vieira com demissão. Ele nunca foi demitido.
A esperança do caso ser desvendo foi a ação popular do grupo de advogados, como Jully Heyder da Cunha Souza, Carmelino Resende, Celso Pereira, entre outros. Só que houve uma guerra de recursos para quebrar o sigilo bancário da Assembleia. Os deputados conseguiram evitar a devassa nas contas do legislativo, apesar do dinheiro ser do povo sul-mato-grossense.
No dia 21 de fevereiro de 2019, o grupo entrou com petição para requerer as provas do inquérito 704 no STJ e do processo contra Miguel Vieira no Conselho Nacional do Ministério Público.
“Visa a presente ação a invalidade de atos ilícitos e a consequente condenação dos responsáveis à restituição de valores pagos indevidamente pelos cofres da Assembleia Legislativa que – segundo depoimento do seu Tesoureiro à época – tratava-se de pagamentos fruto de ato de corrupção”, pontuaram os advogados.
“Como os valores de que se trata saíram, segundo noticiou seu Tesoureiro, dos cofres da Assembleia Legislativa, é evidente que se torna indispensável para uma fiel apuração dos fatos – e para a instrução da causa – visando a responsabilização dos beneficiários, que sejam apresentados todos os dados da contabilidade e da conta bancária daquela Casa de Leis para confrontação com a legalidade dos saques e pagamentos”, argumentaram.
“Todavia, como foi dito e comprovado na inicial (fl. 4 – itens 7 a 10), a Assembleia Legislativa, abusivamente, esquivou-se, sob as mais variadas negaças, de apresentar seus dados para a apuração dos fatos e, inacreditavelmente, o MPE, após a abertura de Inquérito Civil Público, acabou, meses após, por remetê-lo para a Procuradoria Geral da República, inclusive, com a relação do COAF contendo a listagem de inúmeros saques bancários de valores acima de cem mil reais feitos pela Assembleia Legislativa na ‘boca do caixa’, fato que por si só já constitui indício veemente de irregularidade no trato da conta pública”, destacaram.
“Diante da absoluta inércia das autoridades competentes para apurar os fatos revelados pela fala do Tesoureiro da Assembleia Legislativa (vide fl. 6 –itens 15 a 19 da inicial), os autores, não se conformando tal situação, e no exercício da cidadania, se viram na contingência de ter de manejar a presente AÇÃO POPULAR para não deixar ir ao esquecimento – tanto que é hoje a única medida judicial em andamento visando a responsabilização de envolvidos no episódio -uma denúncia tão grave e acintosa, ao vivo e a cores, como a que trata este processo, e, dessa forma, garantir a apuração de responsabilidades e, eventualmente, ressarcimento dos cofres públicos pelos saques havidos ilegalmente”, justificaram.
“Já houve quebra do sigilo bancário tanto da Assembleia Legislativa quanto das duas autoridades estaduais ali mencionadas, em decisão fundamentada do Min. Relator, GILSON DIPP’, levando o Des Claudionor Abss Duarte a afirmar, nesse mesmo julgamento, que ‘diante desse cenário, seria pouco recomendado realizar uma segunda medida, de forma antecipada, portanto, sem um juízo de valor mais apurado, contra os agravados, sempre no âmbito restrito da ordem pública e administrativa, o que poderá ocorrer, no bojo da ação popular, em busca de um fato concreto e justificador da medida extrema”, destacaram.
Então, os advogados pedem que a Justiça estadual solicite as provas para embasar a ação popular contra os acusados de serem beneficiados pelo suposto mensalão. Assembleia Legislativa, Governo do Estado e os investigados foram contra o empréstimo das provas.
Em despacho publicado nesta terça-feira, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, sinalizou que irá analisar o pedido de prova emprestada, feito há quatro anos.
A decisão do magistrado pode dar combustão à ação popular, parada após o fracasso das sucessivas tentativas de se quebrar o sigilo da Assembleia Legislativa.