No artigo “Interpretação e alienismo”, o jornalista e filósofo Mário Pinheiro critica o comportamento de Jair Bolsonaro (sem partido), mas sem citá-lo nominalmente. “Por exemplo, quando uma pessoa diz que a vacina contra o coronavirus provoca Aids, caso do presidente brasileiro, não precisa interpretação, nem verificação, isso vem da pura ignorância e da própria vontade de causar avalanche com a afirmação deslavada de sentido e razão”, diz.
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“Não é necessária interpretação e queimar o cérebro com raciocínios e meditações cartesianas. Na última aparição do presidente brasileiro no G20, na Itália, ele foi ignorado, por não saber dialogar, por não ter objetivo e ficar à margem como um alienado”, afirma, sobre o encontro com os chefes de Estado das maiores economias do mundo.
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Pinheiro faz toda uma análise da utilização dos meios de comunicação e das redes sociais para construir uma realidade. “A comunicação participa do crime em todos os sentidos, seja para esclarecer, para confundir a investigação ou mesmo para azedar o molho da oposição. René Descartes fala de intuição, mas intuição está intimamente ligado ao espírito. O povo brasileiro tem a intuição, hoje, de que a gasolina custava dois reais e cinquenta centavos antes do golpe, mas prefere dar os ombros e engolir o orgulho marrudo”, ressalta.
Confira o artigo na íntegra:
“Interpretação e alienismo
Mário Pinheiro, de Paris
O mundo real não é o que se vê na televisão, muito menos a propaganda publicitária que elogia e inverte o negativo em positivo. Quando se trata do extremismo radical de pessoas que decepam a cabeça de cristãos, o brasileiro suspira e diz, ainda bem que aqui isso não existe. Existe sim, mas de outra maneira.
Se no Brasil, nos recantos miseráveis e afastados do centro, aparecem corpos com sinais de execuções, tortura, bala na nuca, mortos e enterrados sem investigação, o cidadão ainda resmunga, ah, era bandido. Quando a fome assola os pobres por aumentos consecutivos, o discurso tenta esquivar a culpa e acusar os outros. Pior, quando as provas de assassinatos sumários permeiam agentes policiais, a interpretação é básica, geral e quase inequívoca sobre gente desonesta que veste farda.
Quando o ex-fardado se torna presidente, o perigo é outro. A família se instala no poder, acha que pode tudo. Frases de efeito, mentiras, cabide de emprego aos amigos e despetização absurda ao enfiar pessoas sem idoneidade para algumas pastas importantes. Ele pode condecorar quem mata pelas costas, louvar a violência da milícia e ignorar o assassinato de Marielle Franco.
A interpretação consiste em dar sentido ao que não ‘possede’, ou ao que apresenta ambiguidade, equívoco, obscuridade que impede a compreensão. Por exemplo, quando uma pessoa diz que a vacina contra o coronavirus provoca Aids, caso do presidente brasileiro, não precisa interpretação, nem verificação, isso vem da pura ignorância e da própria vontade de causar avalanche com a afirmação deslavada de sentido e razão.
A comunicação participa do crime em todos os sentidos, seja para esclarecer, para confundir a investigação ou mesmo para azedar o molho da oposição. René Descartes fala de intuição, mas intuição está intimamente ligado ao espírito. O povo brasileiro tem a intuição, hoje, de que a gasolina custava dois reais e cinquenta centavos antes do golpe, mas prefere dar os ombros e engolir o orgulho marrudo.
A dedução é de que a imprensa e o setor econômico enrolou o povo na farinha, isto é, mentiu e fez acreditar que era preciso mudar as regras para repousar a cabeça da burguesia cansada. Como interpretar quando o circo está realmente pegando fogo, como advertiu o filósofo dinamarquês Kierkegaard, em sua tese de doutorado sobre a ironia, mas o povo não acreditou por se tratar da advertência feita pelo palhaço.
Há os insistentes que apoiam um sujeito que envergonha e mancha a imagem do Brasil no estrangeiro, é como se o Itamarati não trabalhasse. Não é necessária interpretação e queimar o cérebro com raciocínios e meditações cartesianas. Na última aparição do presidente brasileiro no G20, na Itália, ele foi ignorado, por não saber dialogar, por não ter objetivo e ficar à margem como um alienado.
O presidente não saiu da alegórica caverna de Platão, e, ou ele faz de conta de verdadeiro bobalhão ou adora o papel de ignorante. A alienação, em política, finge adular a democracia, mas procura justificar o totalitarismo. Por mais que seja evidente o mal em seu governo, é culpa dos outros. Talvez do Adélio ou da aposta que se fez no governo paralelo da milícia, no gabinete do ódio.”