Richelieu de Carlo
Os vereadores da Câmara Municipal de Campo Grande têm o primeiro teste para mostrar que estão dispostos a atender o desejo de mudança demonstrado pelos eleitores da Capital no pleito de 2020, quando renovaram 18 das 29 cadeiras do Legislativo. A abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o Consórcio Guaicurus pode ser o primeiro passo para expor que omissão em relação a denúncias graves de corrupção ficaram no passado.
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O péssimo serviço do transporte coletivo da Capital é crônico e se arrasta por vários anos, sem perspectivas de melhorias. Com a pandemia da covid-19, a situação conseguiu ficar pior. A população campo-grandense que depende do uso do transporte público tem dificuldade em chegar pontualmente ao trabalho, devido aos inúmeros atrasos por falta de ônibus em circulação, além de passar diariamente por aglomerações nos terminais e veículos, desrespeitando as regras de biossegurança contra covid.
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Em maio deste ano, o Tribunal de Contas Estadual (TCE-MS) encontrou irregularidades em acordo feito entre a Prefeitura de Campo Grande e o Consórcio Guaicurus, assinado também pela Câmara de Vereadores e pelo próprio tribunal, que estabelecia ajustes na prestação de serviços do transporte público da Capital.
Entre as determinações não cumpridas, estava a revisão da idade média dos ônibus, que devem ter no máximo cinco anos de uso. Só em 2020, 81 carros ultrapassaram o limite de tempo e não foram retirados de circulação, porque as empresas que exploram o serviço não fizeram a compra de novos veículos em razão da pandemia.
Os problemas envolvendo o grupo de quatro empresas controladas pela poderosa família Constantino também está na Justiça, devido a imbróglio perto de completar uma década. O Ministério Público Estadual quer anular a licitação realizada em 2012, na gestão de Nelsinho Trad (PSD), e realizar nova licitação do transporte coletivo.
A denúncia teve desfecho graças à Operação Riquixá, deflagrada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) do Paraná. Lá a investigação não só desvendou o suposto esquema criminoso, como chegou à delação premiada firmada por Sacha Breckenfeld Reck, que atuou como consultor da prefeitura para realizar a licitação em Campo Grande.
O advogado contou, conforme a promotoria paranaense, que o edital de 2012 foi direcionado para manter a continuidade das empresas que prestavam serviço na época: Cidade Morena, São Francisco, Jaguar e Campo Grande. Uma empresa de Curitiba foi “convidada” para simular concorrência no certame.
Com base nesses indícios, o promotor Marcos Alex Vera de Oliveira pediu auditoria da Controladoria-Geral da União, que confirmou as suspeitas de irregularidades, como restrição à competividade e adoção de critérios favoráveis ao Consórcio Guaicurus.
A decisão sobre a anulação da licitação está nas mãos do juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos.
Os próprios integrantes da Câmara Municipal recebem constantemente relatos dos cidadãos a respeito da qualidade do transporte público. “No mês de março, estive nos terminais Hércules Maymone e General Osório, ouvindo alguns usuários do transporte coletivo que relataram esse mesmo problema de superlotação e frota reduzida, que até o momento só piorou, trazendo preocupação e aumentando cada vez mais o risco do contágio com a Covid-19”, relatou Clodoilson Pires (Podemos)
Diante dos problemas recorrentes e aparentemente insanáveis, o vereador Marcos Tabosa (PDT) apresentou requerimento para a abertura de inquérito para investigar o Consórcio Guaicurus, que já tem 12 assinaturas a favor da abertura de CPI, sendo que o mínimo necessário são 10.
“A gente vai investigar a denúncia sobre má prestação de serviço, as contas da empresa e o descumprimento do contrato do consórcio quanto a concessão do transporte coletivo aqui na Capital. São estes três itens que a gente vai focar”, afirmou Tabosa a O Jacaré.
Entre os nomes, apenas dois são remanescentes da legislatura anterior, que se encerrou em dezembro de 2020: Valdir Gomes e Willian Maksoud. Em 2019, as denúncias de corrupção, a precariedade no transporte coletivo e as queixas dos usuários foram ignoradas por 22 dos 29 vereadores. Só sete parlamentares assinaram a CPI para investigar o Consórcio Guaicurus. Curiosamente, Gomes e Maksoud não estavam entre eles.
Os trabalhos da comissão, porém, só devem começar no segundo semestre, após o recesso parlamentar, no fim de julho. “Nós não vamos colocar o requerimento agora porque estamos tratando de dois projetos grandes lá na Câmara. Primeiro a reforma da Previdência municipal, e o Prodes, que chegou. Então, para a gente não tumultuar, a gente resolveu apresentar o requerimento na primeira sessão do retorno do recesso”, explicou Tabosa.
A vontade dos novos vereadores de demonstrar trabalho na CPI talvez ajude a melhorar a imagem da Câmara Municipal aos olhos dos eleitores campo-grandenses. Em abril deste ano, pesquisa Ranking apontou que 33,08% consideram o trabalho dos parlamentares como ruim ou péssimo, enquanto apenas 15,33% avaliam como bom ou ótimo.
Apesar de apenas 11 dos 29 terem sido reeleitos, os mais experientes permaneceram no comando do Legislativo. Réu na Operação Coffee Break, escândalo que levou à cassação do mandato de Alcides Bernal (Progressistas) em 2014, Carlos Augusto Borges, o Carlão (PSB), está na presidência da Casa.
Nesta legislatura, os vereadores da Capital mantiveram o reajuste de 25,67% aprovado em 2018, que elevou o subsídio do parlamentar de R$ 15.031,76 para R$ 18.991,68 a partir deste ano. Conforme levantamento do G1, eles possuem o maior salário entre as capitais. O aumento foi mantido apesar do Brasil enfrentar a maior crise da sua história em decorrência da pandemia da covid-19.