Richelieu de Carlo
O juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Federal, determinou o encaminhamento de mais uma ação da Operação Lama Asfáltica contra o ex-governador André Puccinelli (MDB) para ser analisada pela Justiça de Mato Grosso do Sul. Após o magistrado aceitar pedido da defesa do ex-chefe do Parque dos Poderes, os autos da investigação referente a fraudes na compra de livros paradidáticos da Gráfica Alvorada durante a gestão emedebista deverão ir para a 1ª Vara Criminal de Campo Grande.
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De acordo com investigações da Polícia Federal nas 4ª e 5ª fases da Operação Lama Asfáltica, denominadas respectivamente como Máquinas de Lama e Papiros de Lama, a Gráfica Alvorada recebeu R$ 37,4 milhões entre 2012 e 2014, dois últimos anos de Puccinelli como governador de MS. Relatórios da PF apontam que o valor correspondeu a 67,3% dos R$ 55 milhões gastos com livros didáticos naqueles anos, no total.
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Apesar do montante investido na compra do material, boa parte dos livros ficou encalhado na prateleira das escolas, sem uso, como apurou a Controladoria-Geral da União à época. Além disso, foi constatado a compra em quantidade bem acima do necessário para atender os alunos da Rede Estadual de Ensino.
Chamou a atenção dos investigadores, também, o aumento vertiginoso e sem explicação dos repasses feitos à Gráfica Alvorada nos anos finais da gestão Puccinelli. Em 2012, foram pagos R$ 6.032.345,90 à gráfica; em 2013, R$ 9.553.520,00 e em 2014, R$ 21.419.390,36.
De acordo com os autos, “a investigação apurou forte suspeita de fraude nos contratos do governo do Estado com a Gráfica Alvorada, de propriedade de Mirched Jafar Junior, a ponto de o governador André Puccinelli autorizar no última dia de seu mandato (31/12/2014) o pagamento de R$ 13 milhões àquela empresa”, diz trecho do relatório da Polícia Federal.
Após a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal, a ação corria na 3ª Vara Federal. No entanto, a defesa de André Puccielli entrou com recurso para declarar o juizado federal incompetente para julgar o processo. Consultado, o MPF se posicionou contra a mudança.
Os advogados alegam que na compra dos livros não foram usados recursos da União, pois a verba utilizada pela Secretaria de Educação para pagamentos à Gráfica Alvorada entre os anos de 2010 e 2014 seriam integralmente estaduais. Outro argumento utilizado é de que não há conexão com outras ações vinculadas à Operação Lama Asfáltica, limitando-se a vinculação à origem comum com outras ações penais derivadas do mesmo núcleo de investigações.
Em despacho publicado nesta terça-feira (8 de junho), o juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira lembrou que a denúncia do MPF abrangeu “suposta prática de contratação direta ilegal da GRÁFICA E EDITORA ALVORADA, com fraude nos procedimentos, visando possibilitar desvios de dinheiro e recursos públicos, bem como o pagamento dissimulado de vantagens indevidas”.
O magistrado prossegue: “As imputações vêm amparadas em conjunto probatório reunido nos autos do Inquérito Policial n. 525/2017-SR/PF/MS, um dos procedimentos investigatórios instaurados a partir da chamada Operação Lama Asfáltica, […]. Num panorama geral, a “Operação Lama Asfáltica” reúne as investigações e ações (criminais e outras) derivadas, supostamente praticadas por um grupo criminoso instalado no coração de órgãos e secretarias do Estado de Mato Grosso do Sul durante a gestão do ex-governador ANDRÉ PUCCINELLI, grupo este dedicado a prática de crimes dos mais diversos jaezes em várias áreas da administração pública, dentro de esquemas complexos e multifacetados dentro do contexto da macrocorrupção organizada, em benefício de empresas contratadas pela administração pública, com a participação de agentes públicos”.
Ao defender a competência da Justiça Federal para analisar os processos da Lama Asfáltica, Bruno Teixeira justifica a existência “de direta afetação de bens, interesses e recursos públicos federais” em parte dos crimes ligados à Secretaria de Obras Públicas, “bem como pela ligação direta dos valores envolvidos com pelo menos duas vertentes de operacionalização direta de esquemas independentes de evasão de divisas”.
Outro ponto levantado é que “este Juízo [3ª Vara Federal], vinha sustentando a existência de conexidade apta a fixar a competência da Justiça Federal, dado que se entendia os crimes foram praticados por um mesmo núcleo de pessoas dentro de uma multiarticulada organização criminosa, e que as provas das infrações e das circunstâncias elementares influenciavam mutuamente o andamento e julgamento processual”.
“Entendia-se existir uma conexão central, e não apenas circunstancial, entre os feitos em processamento; na avaliação do Juízo, os processos estavam vinculados para além de uma origem comum, no desenrolar natural de uma mesma investigação, e só poderiam ser devidamente compreendidos dentro de um contexto maior de macrocorrupção de um mesmo grupo organizado, e não isoladamente, caso a caso”, relata o juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira.
Só que o magistrado acaba por se render à jurisprudência no TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), que “não vem reconhecendo a competência por conexão da Justiça Federal nos casos que não são diretamente ligadas às fraudes centradas no coração da Secretaria de Obras/AGESUL, tampouco as que se entende praticadas pelo suposto grupo criminoso organizado em múltiplas frentes, sendo forma de otimização dos trabalhos judiciários e evitando-se a prática de atos judiciais por Juízo incompetente”.
Ademais, o juiz Bruno Cezar Teixeira aponta que a denúncia do MPF “não descreve, consoante os critérios analisados, a ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas; tampouco fornece elementos de conexidade suficientemente sólidos com outros processos em andamento, conforme entendimento ora adotado do TRF3”.
Por fim, o magistrado ressaltou o argumento de que a verba da Secretaria de Educação “em tese utilizada na prática dos crimes denunciados é estadual, sem menção a repasses da União”. Com isso determinou o envio dos autos ao juízo da 1ª Vara Criminal de Campo Grande, sobre o qual recai a competência para processar e julgar criminalmente os processos da Operação Lama Asfáltica no âmbito estadual.