Trabalho silencioso de voluntários católicos serve almoço uma vez por semana e garante “momentos felizes” para famílias pobres castigadas pela pandemia da covid-19 em Campo Grande. Desde o final de maio do ano passado, 70 pessoas se revezam em seis equipes para cozinhar e servir a comida no pátio da Paróquia Maria Medianeira das Graças, na Vila Popular.
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Para conseguir escapar da fome, algumas pessoas conseguem fazer com que a marmita de sábado dure três dias. Esse é o caso do catador de sucatas Geraldo Silveira Domingues, 49 anos, que teve 90% do corpo queimado em acidente ocorrido há um ano e carrega nove pinos no corpo. Ele ainda pega comida para duas vizinhas, uma acamada e outra se locomove de muletas.
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“Deus me abençoa, que (a comida) dá para três dias”, relata. Sem êxito na procura de trabalho, ele se lamenta pela má sorte. “Ninguém arruma emprego”, conta. Analfabeto, ele sobrevive do recolhimento de sucatas e de R$ 91 pago pelo Bolsa Família. O dinheiro é destinado para pagar o aluguel de R$ 300. “Senão ela me despeja”, conta, sobre a locatária.
A mesma situação vive Marlene Rodrigues Patrocínio, 54, que está desempregada há três anos. “Está muito difícil”, contou, sobre a pandemia. Ela recebeu o auxílio emergencial de R$ 300, mas que é insuficiente para manter o sustento da família diante do aumento dos produtos alimentícios. “Só dá para pagar água e o gás”, revela. Ela foi uma das 487 pessoas que receberam o almoço na igreja no sábado (5).
A marmita ajuda a auxiliar de limpeza Elizabeth Baldino, 35, a garantir o almoço com mistura para os cinco filhos – de 3, 7, 8, 14 e 16 anos. Desempregada há três anos, ela conta que a família não passa fome, porque consegue ganhar doações. No entanto, a mistura, como carne, ovos, verduras e frutas, é rara na mesa.
Há dois anos, ela vive uma busca desesperada por emprego, mas ninguém retorna aos currículos de auxiliar de limpeza. Mesmo com os filhos em casa, a dona de casa diz que isso não será problema, porque a filha de 16 anos poderá cuidar dos irmãos.
O almoço de sábado
No sábado, o almoço teve 40 quilos de arroz, 14 quilos de feijão, 26 quilos de carne, 10 quilos de mandioca, 10 quilos de batata, 8 quilos de tomate, 10 repolhos, 10 quilos de cebola, 2 kg de sal, 1,5 kg de alho, 3 kg de calabresa, 7k de farinha e seis litros de óleo.
Mesma situação vive Leidinara Jorge Pio, 28, que faz a comida doada pelos voluntários católicos render para o almoço e o jantar de sábado. Sozinha, ela cria os quatro filhos – de 2, 3, 4 e 10 anos – e conta com a ajuda de R$ 400 do Bolsa Família. No entanto, o dinheiro é usado para pagar a água e alimentos. A luz é de gambiarra.
Leidinara conta que a despesa da casa aumentou muito com as crianças em casa. Antes, os filhos comiam na escola de manhã e no Cras (Centro de Referência de Assistência Social), à tarde.
Muitas crianças enfrentam a fila na paróquia, começa por volta das 10h e dobra a esquina, para garantir o almoço do fim de semana. Os primos Eloá, 8, Isabelli, 9, e Matheus, 10, vão juntos. A pequena de oito anos conta que a família sempre deixa um pouco de comida para garantir o almoço de domingo.
Em muitas situações, os voluntários sabem da necessidade e acabam colocando mais comida, porque sabem que será a única refeição das famílias por vários dias. “Alguns ficam até dois dias sem comer”, conta a agente de proteção do aeroporto e voluntária do projeto, Rosângela Quintana, 40. Sobre a satisfação do trabalho, que inclui pedir doações, cozinhar no sábado de manhã e servir as marmitas (panelas, potes de sorvete e tapoeres), ela resume: “a gente sente a felicidade de quem está comendo”.
Inicialmente, quando começou, o projeto começou a atender 120 pessoas em maio do ano passado. No entanto, com o fim do auxílio emergencial de R$ 600, no final de 2020, o número quintuplicou, chegando a 500 pessoas, conforme o coordenador do projeto, o aeroviário Fidel Antônio Martinez, 44.
“Nosso sonho é servir na paróquia e almoçar com eles”, conta ele, na esperança de realizar com o fim da pandemia. A proposta inicial era servir o almoço na igreja, mas acabou servindo marmita para evitar aglomerações.
“É um trabalho silencioso”, ressalta o padre Jesudhas Jsuadimai Fernando, 74 anos, um missionário indiano que atua há 32 anos em Campo Grande. “Tem muita pobreza”, observa, sobre o Brasil e o bairro onde atua. “É um bom campo para evangelização”, analisa, sobre a comunidade.
O sacerdote estima que 70% dos beneficiários com o almoço não residem na Vila Popular. Alguns chegam a andar mais de três quilômetros para garantir a refeição da semana.
Há também quem opte em pegar comida para não ter o trabalho de cozinhar aos sábados. Para isso, conforme Rosângela, foi colocado o cartaz: “Tem certeza de que precisa dessa refeição? Você não poderia deixar para os mais necessitados?”. Contudo, mesmo sabendo que há quem não precise, mas busca o almoço, por considera-lo delicioso, não é feito nenhuma triagem. Todo mundo sai servido pelo almoço.
Você pode ajudar:
Quem quiser ajudar com a doação de alimentos:
- secretaria da Paróquia Maria Medianeira das Graças: 3363-7902.
- Fidel Martinez: (67) 99122-5693