Ao eleger o professor e psicólogo Ronilço Cruz de Oliveira, o Ronilço Guerreiro, 52 anos, o campo-grandense reconhece o trabalho voluntário de incentivo à leitura, realizado há duas décadas por meio de gibis. Eleito pelo Podemos com 2.059 votos na 4ª disputa, o novo vereador da Capital tem uma história capaz de inspirar muita gente a mudar de vida.
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Um dos fãs de Guerreiro é o humorista, diretor, dublador, produtor e apresentador de televisão Fábio Porchat. Católico devoto de Santa Clara, Ronilço acabou eleito apesar de ter obtido menos votos em relação a 2016 (2.469) e 2014 (4.352 como deputado federal). Na primeira disputa, em 2012, ele obteve 1,4 mil votos. “Sou persistente e este ano estava no momento certo, porque Deus é bom e poderoso”, afirmou.
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A fé e a persistência marcam a trajetória do menino pobre do Jardim Oracília, na região do Seminário. Ele começou a trabalhar aos 14 anos como office boy da Santa Casa de Campo Grande, onde carregava cadeiras de rodas, pacientes e corpos para o necrotério.
Após o serviço militar obrigatório, aos 19 anos, ele teve o emprego que mudou a sua vida. Como recepcionista do Hotel Campo Grande, badalado pelo luxo e ser parada obrigatória de artistas, ele teve contato com Xuxa, Roberto Carlos, Angélica e a banda Menudos. “Vi que eram gente como a gente”, relembrou.
A palestra de Lair Ribeiro, famoso escritor de autoajuda na época, marcou a vida de Ronilço. Graças ao famoso guru, ele decidiu que deveria ter dois sonhos. No campo pessoal, optou pela Psicologia. O segundo era ajudar as pessoas como voluntário. A primeira iniciativa foi construir uma creche no bairro, que chegou a atender 65 crianças e funcionou por seis anos.
No entanto, cursar a faculdade na UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) não foi fácil. Na ocasião, o pai teve aposentadoria suspensa pelo INSS. Para frequentar as aulas, ele chegou a ir com sapato furado. A solução foi resgatar o coturno da época do serviço militar obrigatório, que lhe rendeu o apelido de “Guerreiro”, incorporado ao nome político.
Há 17 anos, Ronilço trabalha como instrutor do Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem), onde trabalha duas períodos, vespertino e noturno, e tira a renda de professor. Apesar da correria da jornada diária de 40 horas, ele encontrou tempo para construir a Gibiteca, experiência copiada de Curitiba (PR) há 20 anos.
Para abrir a biblioteca de gibis, ele ainda trabalhava no Hotel Campo Grande e enviou telex pedindo ajuda para 180 embaixadas. Apenas 10 responderam ao ofício. Só duas ajudaram, França e Austrália. Inicialmente, o prédio foi alugado.
O trabalho acabou ganhando reconhecimento na Capital. Com doações, ele ganhou o terreno e construiu o atual prédio da Gibiteca, no Jardim Seminário, onde há 25 mil títulos à disposição da população. “Sempre pedindo ajuda, o não eu já tenho”, justifica Guerreiro, sobre a construção do projeto. Antes da pandemia da covid-19, a Gibiteca recebia em torno de 70 a 80 crianças por dia.
Guerreiro passou a levar a leitura para escolas e outros bairros por meio da Gibicicleta. Após muito insistir, ele ganhou uma van do Sicredi para percorrer a cidade de veículo. A partir de então, passou a adotar a “vanteca”. Com a Freguesia do Livro, ele passou a disponibilizar livros para leitura nas feiras livres.
Ao verificar projeto em Florianópolis (SC), ele passou a colocar estantes com livros nos terminais de ônibus urbano. A pessoa pega o livro para ler em casa e depois devolve. Também passou a “esquecer” livros no para-brisa dos veículos em estacionamentos de supermercados. “Não é que as pessoas não gostam de ler, o livro não chega nelas”, filosofa o novo vereador.
Para manter a rotina, de escola e o trabalho voluntário, Ronilço Guerreiro conta que dorme apenas três horas por noite. “Sou muito elétrico”, contou. Para manter toda a estrutura de leitura, ele conta com uma rede composta por 150 voluntários.
Este trabalho já conta com reconhecimento nacional. Só na TV Globo, ele participou cinco vezes de programas, como Esquenta, de Regina Casé (duas vezes), Encontro com Fátima Bernardes e Como Será?, de Sandra Anhenberg. O ator Fábio Porchat sempre lembra que Ronilço lhe inspira muito.
Agora, o reconhecimento veio por meio da política. Integrante de uma família de cinco irmãos, Ronilço Guerreiro contou que entrou na política porque é preciso ocupar espaço de poder. Como vereador, ele não pretende inventar a roda ou fazer promessas mirabolantes. Ele quer priorizar a educação e a cultura no mandato de quatro anos.
Como parte das ações para incentivar a leitura, ele quer propor o agente comunitário de leitura, para distribuir livros nas casas e contar histórias. Outra proposta é criar a incubadora de quadrinhos para incentivar e aproveitar o talento regional.
“Quero ser o vereador do diálogo, respeitar as pessoas para ser respeitado”, explicou. O objetivo é ir contra a intolerância e o ódio, que ganham espaço na política brasileira. “Combater a fakenews com educação”, assegurou.
Na campanha deste ano, Ronilço Guerreiro contou com R$ 24,5 mil, sendo R$ 10 mil doado pelo irmão, Ronildo Cruz de Oliveira, que representou a família, e do ex-deputado federal Saulo Queiroz (DEM). O Podemos colaborou com santinhos.
Mesmo confiante na eleição, ele relembrou que na sexta-feira véspera do primeiro turno, titubeou. Ao tomar conhecimento da estrutura dos concorrentes, com dinheiro e contratação de cabos eleitorais, chegou a pensar em novo fracasso. “Briguei com Deus”, contou, sobre a oração feita naquela noite. “Pedi, Deus me honre”, relembrou, preocupado sobre como expressar o momento. “Tá bom, pode colocar, fiquei com medo”, admitiu.
“Contra o ódio e a intolerância, a melhor ideologia é o amor”, pregou. “Eu quero ser o vereador do diálogo. Não quero ser nem melhor nem pior do que ninguém. Quero ser o vereador diferenciado, que as pessoas tenham orgulho de ter votado em mim”, prometeu.
Ronilço ainda atua como coach em empresas, onde procura ajudar os trabalhadores a traçar metas e atinjam o seu objetivo no melhor tempo possível. Só com a sua história, a pessoa já tem exemplo de persistência e de que se deve aproveitar as oportunidades que a vida nos dá.