As eleições municipais de 2020 serão marcadas por um elemento disruptivo no direito político, a pandemia da covid-19. É impossível, considerando as etapas necessárias para o estudo, a produção e a distribuição, haver disponibilidade de uma vacina até dezembro. Embora adiado, o pleito foi mantido e, pela primeira vez, não estão permitidos os comícios e reuniões. O objetivo é assegurar o distanciamento físico e, com isso, evitar picos de contágio e salvaguardar os cidadãos. Diante do momento sanitário, os candidatos se voltam para as campanhas on-line, método já utilizado nas demais disputas para as cadeiras do executivo e legislativo, mas que, pela primeira vez, terá a pandemia como acelerador de tendência.
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Até o fim de 2019, o uso dos canais de comunicação on-line representava preocupação relacionada à disseminação da desinformação e consequente manipulação do eleitorado. Agora, como método majoritário de publicidade eleitoral, é acrescida a preocupação sobre como chegar ao eleitor até a liberação dos espaços no rádio e na televisão. Ou seja, a pandemia também ajuda a desregular o acesso aos direitos políticos dos eleitores.
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O político está na rede com programas, debates ao vivo, ou questionamentos, porém o conteúdo não chega a todos os cidadãos. É essa a realidade demonstrada pela Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação) divulgada no dia 29 de abril deste ano pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Por meio da pesquisa é possível saber que 46 milhões de brasileiros não têm acesso à rede. Isso significa que, um a cada quatro cidadãos não consegue usa a internet. Nas cidades, 20,6% dos habitantes estão fora de contato com as redes digitais, mas o problema é maior na área rural e atinge 53,5%. Dos brasileiros fora da rede, 41,6% não sabem usar o instrumento, dado que demonstra haver no fosso da restrição o analfabetismo digital. Entre os excluídos do mundo digital no Brasil, a falta de recursos financeiros é apontada como justificativa de 11,8% e outros 5,7% afirmam não ter recursos monetários para adquirir os equipamentos.
Independente dos números, as campanhas on-line já representam uma tendência de longo prazo no mundo eleitoral, como explica o analista político Eron Brum. “Penso que isso é oportuno e foi uma forma, apesar de trágica, de mostrar que o mundo on-line é tão real quanto o presencial, o cara a cara. O conteúdo retorna ao seu lugar de destaque e a forma é o seu instrumento”. Sobre o acesso às redes, Eron acredita que é uma questão de tempo.
“Claro que um número considerável de pessoas vai continuar à margem do processo. Isso sempre foi assim, mas com a explosão do virtual, este indicador é cada vez menor” pontua. Apesar de reconhecidas e necessárias correções ao acesso do eleitor às redes, o cientista avalia que o resultado será positivo diante ampla distribuição de informações. “Os ruídos também foram implodidos. Pelo menos em parte, diante da avalanche de informações que chegam velozmente e de múltiplas formas. A tempestade de informações, guardados alguns casos, planetarizou o nosso cotidiano e isso não tem mais volta”.
Se para o eleitor a campanha via web é um desafio, para os candidatos não será diferente. A maioria terá de adaptar-se às plataformas e ao funcionamento distinto de cada uma delas. “Está cada vez mais curta a distância entre o eleitor e político. Isso é muito bom, porque o nosso dia-a-dia é decidido pela ação política de todos os níveis. Essa aproximação é benéfica para a sociedade, porque a informação circula em 24 horas e a conscientização é mais imediata. É claro que nos chamados países do Terceiro Mundo, onde o analfabetismo ainda é alto e o sistema econômico não caminha na mesma velocidade e eficiência do Planeta Online, permanecerão, sabe-se lá até quando, na periferia do progresso social e econômico”, pontua Brum.
O doutor em Ciências da Informação pela Universidade Fernando Pessoa, de Portugal, Marlúcio Arruda, também pontua que as eleições deste ano resultam de um processo evolutivo da comunicação, proporcionado pela tecnologia. “Já há alguns anos que os palanques ou comícios se transformaram em eventos virtuais e digitais nas redes on-line. Isso significa que os potenciais prejuízos não podem ser creditados apenas à pandemia”, destaca. Para o pesquisador, contudo, as relações culturais podem ter, sim, impacto na comunicação de campanha no caso brasileiro.
“Penso que no Brasil, principalmente, nada substitui o abraço, o toque, o apertar das mãos. Fazer campanha eleitoral sem eventos presenciais é uma perda grande. Ainda mais quando se trata de escolher o vereador, ou seja, aquele parlamentar que tem, em tese, a maior proximidade possível com o eleitor. Perdem os candidatos e fica prejudicado o eleitor ao não poder olhar cara a cara o seu político”, explica o português.
Se a presença física pode tornar o processo eleitoral mais vibrante, a canalização da comunicação eleitoral para instrumentos virtuais pode afetar o equilíbrio da informação e favorecer a manipulação e dificultar ao cidadão o direito de formar opiniões claras, independentes e equilibradas. “A maior preocupação, no entanto, é com as fake news. Já sabemos o estrago eleitoral ocorrido em 2018, quando um candidato – sem projeto e sem a menor condição de concorrer a nada – foi eleito após abusar de notícias falsas disparadas estrategicamente pelas redes sociais. Tanto os debates, quanto os eventos em público, de certa forma, ajudam a desmentir o que é fake news e a medir a temperatura das campanhas enquanto percepção do eleitor”, alerta Marlúcio.
Sobre a manipulação da informação por meio da distribuição de notícias falsas, o economista e consultor político, Odon Nakasato pontua que o currículo do candidato será importante para o desvio da teia da desinformação. “As fake news são o avesso da liberdade de comunicação. A verdade vai ser o fato determinante para quem vai tentar amealhar votos nas urnas”.
Além das questões intangíveis relativas à campanha, a operacionalização das ações também é outra preocupação de quem está na linha de frente de produção dos candidatos. Ao abordar esse ponto, Odon lembra que o desafio será “desenvolver um trabalho de comunicação que resguarde a intimidade do candidato com o eleitor. Como o contato virtual é um pouco frio, o quesito da experiência profissional vai fazer diferença”
Atuando há 32 anos em campanhas políticas, Odon Nacasato explica que toda a comunicação da campanha deste ano considera a segurança sanitária dos colaboradores. “Temos que seguir todos os protocolos de segurança validados pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e todos têm que se adaptar. A direção de campanha precisa enquadrar todos os candidatos e profissionais, para que todos sigam as regras”.
O consultor explica que, para as campanhas em que vai atuar, estão em avaliação métodos específicos de desinfecção dos ambientes, escritórios e estúdios. Também serão realizados treinamentos e palestras para os colaboradores, que vão obedecer a escalas de trabalho. “É imprescindível esse cuidado. Estamos avaliando, até, a realização de testes para os frequentadores do estúdio. Precisamos estudar e compreender o funcionamento desses instrumentos de segurança, porque esse é um caminho sem volta”.