O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ignorou a aprovação de 76% dos brasileiros ao ministro da Saúde e anunciou, na tarde desta quinta-feira (16), a demissão de Luiz Henrique Mandetta, 55 anos. O médico campo-grandense perdeu o cargo por fazer a coisa certa, de recomendar o isolamento social, medida proposta pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e adotada por praticamente todos os países do mundo.
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O capitão da reserva decidiu trocar de ministro da Saúde, Mandetta pelo médico oncologista Nelson Luiz Sperle Teich, que foi consultor da campanha de Bolsonaro em 2018. Ele se formou em Medicina pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) em 1980 e defende o combate à pandemia junto com o socorro econômico.
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A troca no comando da saúde ocorre no momento que o Brasil enfrenta a maior pandemia do século. Até o momento, o Brasil contabiliza 30.425 casos confirmados da Covid-19 e 1.924 mortes. No mundo, a doença fez 2,1 milhões de vítimas e 141,4 mil mortes.
Mandetta ganhou o respaldo da classe médica, dos políticos, do Congresso Nacional e do Poder Judiciário por contrariar Bolsonaro e manter o isolamento social, que levou à suspensão das aulas, ao fechamento do comércio e a paralisação do transporte coletivo no País. A medida ganhou o apoio de prefeitos e governadores.
O presidente contrariou o ministro em pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão, no qual defendeu o isolamento vertical, apenas de idosos e integrantes do grupo de risco, e a liberação dos demais trabalhadores. Ele condenou o que classificou como “histeria” e previu que o colapso na economia poderá causar mais mortes que o coronavírus.
Além do pronunciamento, Bolsonaro participou da manifestação realizada no dia 15 de março contra o parlamento e o STF. Mesmo com 23 integrantes da equipe com exames positivos para Covid-19, ele abraçou seguidores e minimizou a pandemia, que classificou como “gripezinha”.
Mandetta ensaiou ceder aos apelos do presidente e até levou um puxão de orelhas da TV Globo, por condenar o trabalho da imprensa. No entanto, o ministro recuou e manteve a postura de seguir as recomendações da Organização Mundial de Saúde.
A estratégia conquistou a opinião pública. Primo do prefeito da Capital, Marquinhos Trad (PSD), Mandetta vinha se tornando quase unanimidade nacional. De acordo com o Datafolha, que ouviu 1,5 mil eleitores entre os dias 1º e 3 deste mês, 76% dos brasileiros consideram o trabalho de Mandetta ótimo ou bom, contra 13% de regular e apenas 4%, ruim ou péssimo.
Nesta quinta-feira, o Atlas Político, conforme o El País, 76,2% dos brasileiros eram contra a demissão de Mandetta do cargo. A pesquisa ouviu 2 mil eleitores recrutados na internet e com margem de erro de 2 pontos para mais ou menos.
Segundo o levantamento, 64% dos entrevistados têm visão positiva de Mandetta, contra 17% que o avaliam negativamente. Ele superou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que aparece em segundo lugar, com 53% de positivo e 37% de negativo. Até então, o ex-juiz era o mais popular integrante da equipe de Bolsonaro.
O Datafolha apontou que, entre os eleitores de Bolsonaro, a aprovação do ex-ministro sul-mato-grossense chega a 82%. Já na população, a aprovação do presidente está em 33%, contra 39% que o consideram ruim ou péssimo.
A mesma aprovação expressiva a Mandetta foi apontada pela pesquisa da XP Investimentos. Conforme o levantamento, para 68%, ele fez um trabalho considerado ótimo e bom, contra 7% de ruim ou péssimo.
Mandetta caiu em desgraça junto a Bolsonaro por ter feito a coisa certo, pelo menos, conforme recomendações de cientistas, pesquisadores e autoridades de saúde do mundo interior.
Quando foi nomeado para o Ministério da Saúde, ele tinha o inquérito aberto no STF pelo desvio de R$ 8,1 milhões no Gisa (Sistema de Gestão de Informações em Saúde). Um programa para informatizar os postos de saúde de Campo Grande, que levou ao desvio milionário e nunca saiu do papel quando Mandetta foi secretário municipal de Saúde na gestão do primo, o atual senador Nelsinho Trad (PSD).
Na época, quando prometia montar uma equipe técnica e livre de denúncias de corrupção, Bolsonaro minimizou a denúncia, porque o ministro ainda não era réu, e manteve a nomeação de Mandetta.
O ex-ministro até era cotado para integrar o novo partido do presidente, o Aliança pelo Brasil, e ser o candidato a governador do Estado em 2022 com o apoio de Bolsonaro.
Mandetta passou a perder prestígio ao ignorar os apelos do presidente para recomendar o isolamento vertical e lhe dar subsídio para contrariar a OMS, governadores e prefeitos para baixar decreto acabando com a quarentena obrigatória. Bolsonaro criticou até a suspensão das aulas em escolas, faculdades e universidades.
A popularidade do sul-mato-grossense disparou e passou a se tornar unanimidade nacional. Em entrevista à Rádio Jovem Pan, Bolsonaro criticou o ex-assessor publicamente, dizendo que lhe faltava humildade e estava extrapolando a função.
Depois, ele voltou a fazer críticas, mas sem mencionar o nome do ortopedista. Para Bolsonaro, alguns ministros viraram estrelas e estavam se considerando indemissíveis. Ele frisou que tinha a caneta e a usaria no momento certo.
Paralelamente, os bolsonaristas recorriam às redes sociais para criticar o então ministro da Saúde. Até o guru de Bolsonaro, Olavo de Carvalho, dos Estados Unidos, postou críticas ao ex-ministro, a quem se referiu como “punheta”.
O ex-ministro da Saúde, que anunciou a sua demissão no Twitter antes de Bolsonaro, agradeceu a todo mundo no discurso de despedida, desde o próprio presidente da República, aos colaboradores no ministério e aos presidentes do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia.
Ontem, em entrevista à Veja, ele negou que vá aceitar o convite para assumir a Secretaria Estadual de Saúde de Goiás ou de São Paulo. Mandetta deve atuar no plano nacional pelo DEM, que deverá se contrapor ao presidente da República durante o combate à pandemia.
Com a saída de Mandetta, Mato Grosso do Sul perde um integrante no ministério de Bolsonaro. A partir de hoje, a única representante de MS, por enquanto, é Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.