Pela primeira vez na vida de muitas pessoas, o termo marxista que define a prática como critério da verdade vai fazer sentido em uma escala global. Era dezembro quando uma pneumonia de causa desconhecida foi descrita pelo médico oftalmologista e integrante do Partido Comunista Chinês, Li Wenliang, e gerou descrença. Desde então, até a manhã de hoje (23), 372.147 pessoas foram oficialmente diagnosticadas com o Covid-19. A doença, descrita por Li matou até esta data 16.310 pessoas, entre elas o próprio oftalmologista.
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A descrença que fez com que o Partido Comunista Chinês exigisse explicações de Li foi compartilhada pelo mundo. E, a partir dela, tem sido possível conhecer o papel de governantes, empresas e indivíduos em uma ação sem precedentes para a economia e a diplomacia mundial. As máscaras sobre os olhos de governantes levados ao poder por meio de bravatas, mentiras e dissimulações são apenas a maneira bizarra em que foi traduzida a descrença da gravidade do que a OMS (Organização Mundial de Saúde) tratou como pandemia a partir de 11 de março último, quando havia 4 mil mortes registradas no mundo.
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Exatos quatro dias após o alerta da OMS, a Inglaterra era submetida ao que ficou conhecida como estratégia epidemiológica de manada. Nela, a população inglesa seria exposta ao máximo ao vírus, criaria imunidade e não passaria por uma segunda onda de infecções.
Quando a quantidade de mortos indicou que o Covid-19 não respeita a soberania inglesa, a estratégia sofreu leves modificações, com a recomendação de trabalho a partir de casa e restrições de circulação. Somente quando a curva da Itália ultrapassou 4 mil mortos, os ingleses decidiram pelo fechamento de pubs e restaurantes. Agora, a polícia inglesa disputa carregamentos de máscaras cirúrgicas com a antiga parceira, a França.
E, por lá, houve demora do governo francês, que esperou para decretar estado de emergência e definir toque de recolher. Medida similar aplicada na Espanha não impediu que na última quinta-feira, uma pessoa morresse a cada 15 minutos naquele país. E o poderio germânico, no controle dos cordéis da União Europeia não incitou medo algum ao coronavírus, hospedado nos corpos de 20.705 pessoas na Alemanha.
Os índices de infectados e de mortes evidenciaram não apenas a fragilidade dos sistemas de saúde dos países europeus, mas trouxe à tona os limites diplomáticos do bloco. Fechar fronteiras aéreas, terrestres e impor quarentenas está à frente da cortina no teatro que impediu o auxílio primário à Itália. Quando em 21 de fevereiro, o governo italiano anunciou a primeira morte por Covid-19, o movimento dos governantes europeus foi de fechar fronteiras, impedir a entrega de material médico, suprimentos hospitalares e pessoal.
A situação levou a união de advogados italianos a pedir socorro à Rússia e, sobre a questão, a prefeitura de Veneza anunciou: “a epidemia vai passar e nós não vamos esquecer”. Não apenas os governos europeus deixaram a península à própria sorte.
Os Estados Unidos compraram de uma empresa italiana um carregamento de kits de proteção individual suficientes para toda a região da Lombardia na velha lógica de mercado. Velha, mas não boa o suficiente para resistir ao desespero na reorganização mundial, onde os setores como o automobilístico e a indústria cervejeira param para produzir álcool em gel. Tão velha, mas não eficiente ao ponto de antever medidas para conter o pânico gerador de desabastecimento.
Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos vencem o leilão de equipamentos de proteção individual e patinam para proteger um povo acostumado a fama de superioridade econômica e, cujo sonho americano não contempla ter o sistema de saúde bagunçado pela “democrática” ação do coronavírus.
É claro que as nações ricas sairão menos prejudicadas desse episódio, mas também está clara uma mudança de paradigma de poder. Enquanto os europeus do ocidente são classificados pelos russos como dengosos, é a China quem dá as cartas usando da solidariedade prevista na lógica da prática comunista.
A União Europeia abandonou a Itália? A China enviou toneladas de equipamentos, bem como equipes médicas. A União Europeia não socorreu a Espanha? Pronto, temos aqui a ajuda da China. E quando a França entra em uma disputa diplomática com a Inglaterra por 130 mil máscaras de proteção? Não se sabe o resultado, mas o governo francês agradece à China pelo envio de equipamentos e de médicos. Na Rússia, cujo toque de recolher foi alinhado ao imposto pelo governo chinês a partir de janeiro, o auxílio ocorre no compartilhamento de pesquisa, materiais e pessoal.
Diante desse quadro, como fica a América Latina para onde é desenhado o pior dos cenários da pandemia? O início da compreensão da resposta está no episódio entre a Venezuela e o FMI (Fundo Monetário Internacional). Enquanto o fundo negou os apelos de Maduro porque a Venezuela conta com somente 200 leitos para tratar de toda a população, a China não poupou esforços para auxílio. Os venezuelanos contam, ainda, com a presença do governo cubano, que já cooperava com os chineses no auge da epidemia de coronavírus. Também contou com os cubanos um grupo de cidadãos ingleses, cerca de 600, presos a um navio impedido de atracar pela maioria dos países a que pediu socorro. É assim que a prática está acima dos discursos vazios e significa a diferença entre quem poderá viver ou perecer.