Os escândalos de corrupção foram ostensivos e se sucederam de maneira sem precedentes na história de 40 anos de Mato Grosso do Sul, mas não o “prestígio” nem a “popularidade” dos políticos. Os fatos que marcaram 2019 vão desde o filho do governador réu por mandar roubar propina até suspeita de compra de sentença envolvendo senador da República e desembargador.
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A história mais surpreendente envolve o advogado Rodrigo Souza e Silva, 30 anos, filho do governador Reinaldo Azambuja (PSDB). Em setembro, ele virou réu após a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul aceitar a denúncia feita pelo Ministério Público por roubo majorado. O herdeiro do tucano é acusado de mandar roubar a propina de R$ 300 mil que seria destinada para comprar o silêncio do corretor de gado José Ricardo Guitti Guímaro, o Polaco, no dia 27 de novembro de 2017.
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Para os desembargadores do TJMS, há indícios suficientes do envolvimento de Rodrigo com uma quadrilha presa pelo Batalhão de Choque. Eles teriam roubado o comerciante Ademir Catafesta, que atuou como intermediário de Polaco. O caso ganhou repercussão nacional ao ser veiculado no Fantástico, da TV Globo.
Em depoimento exibido pelo programa global, quatro réus pelo roubo contaram que o plano era executar Polaco, que ameaçava fazer delação premiada contra o governador logo após ser divulgada a delação premiada da JBS. Rodrigo pode ir a julgamento em 2020 e o processo será conduzido pela juíza May Melke Amaral Penteado Siravegna, da 4ª Vara Criminal, que tinha aceitado a denúncia contra o grupo, mas rejeitado a ação contra o filho do governador.
Em 2020 poderá ter desfecho a Operação Vostok, que levou ao bloqueio de R$ 277,5 milhões de Reinaldo, da esposa, Fátima Silva, e dos três filhos. Ele é acusado de ter recebido R$ 67,7 milhões em propinas e causado prejuízo de R$ 209 milhões aos cofres estaduais por meio da concessão de incentivos fiscais a JBS.
O ministro Paulo Tarso de Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça, que substituiu Felix Fischer após o afastamento por problemas de saúde, adiou o julgamento do pedido de desbloqueio para fevereiro de 2020. Ele alegou que o caso segue em investigação pela Polícia Federal.
Além de decidir sobre o desbloqueio da fortuna tucana, o STJ poderá decidir em 2020 o futuro de Reinaldo. O procurador geral da República, Augusto Aras, poderá pedir o arquivamento do caso por falta de provas ou apresentar denúncia até com pedido de afastamento do governador do cargo, algo sem precedentes em terras guaicurus.
As denúncias de corrupção contra o senador Nelsinho Trad (PSD) também marcaram o ano. Apesar das ações de improbidade no caso da operação tapa-buracos patinarem na Justiça e do ex-prefeito se livrar da denúncia de fraude nos convênios com a Omep e Seleta, houve a divulgação de fraude na licitação do transporte coletivo, realizada em outubro de 2012, e de pagamento de R$ 50 milhões em propinas pelo consórcio Solurb para ganhar o contrato bilionário da coleta de lixo.
Além de bloquear os bens de Nelsinho, o juiz José Henrique de Neiva Carvalho e Silva, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, determinou o sequestro da Fazenda Papagaio, que teria sido adquirida com dinheiro da propina do lixo. O julgamento da primeira ação, feita em março de 2018, começou em novembro e deverá ser concluído em março de 2020.
O senador acabou sendo citado na Operação Omertà, deflagrada pelo Gaeco e Garras contra o grupo de extermínio chefiado pelo empresário Jamil Name. No quarto do chefe do jogo do bicho, o Gaeco encontrou documento apócrifo acusando Nelsinho Trad de pagar R$ 2 milhões pelo desbloqueio dos bens ao desembargador Marcelo Câmara Raslan, que nunca concedeu liminar favorável ao ex-prefeito.
O magistrado se afastou dos processos envolvendo o ex-prefeito e pediu a apuração rigorosa da denúncia. Além de negar a denúncia, Nelsinho ingressou com ação na Justiça para censurar jornais e sites. No entanto, a Justiça negou pedido para retirar as reportagens sobre o episódio e ainda deu uma aula de liberdade de imprensa ao integrante do Congresso Nacional.
O ex-governador Zeca do PT e o ex-presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Joenildo de Souza Chaves, tiveram cheques encontrados em poder de Jamil Name.
A Operação Lama Asfáltica perdeu o fôlego em 2019. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região suspendeu o primeiro julgamento do ex-governador André Puccinelli (MDB), acusado de chefiar organização criminosa que teria desviado R$ 430 milhões dos cofres públicos. A ação penal, que acusa o emedebista de ter recebido R$ 24,5 milhões em propinas da JBS, foi encaminhada para a Justiça Estadual.
Apesar de manter o bloqueio dos bens do ex-governador, o juiz Roberto Ferreira Filho, da 1ª Vara Criminal de Campo Grande, acatou o pedido da defesa e liberou o saque mensal de R$ 18 mil. A retirada mensal estava suspensa pela Justiça Federal desde novembro de 2017, quando André foi preso pela primeira vez.
Sem pessoal e equipe, a Lama Asfáltica não teve o reforço prometido pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Nem a ascensão de um delegado “da casa” ao comando da Superintendência Regional em Mato Grosso do Sul, Cleo Mazotti, mudou o curso da história. Desde 27 de novembro de 2018, a PF não deflagrou mais nenhuma fase contra o suposto esquema.
O secretário estadual de Saúde, Geraldo Resende, e o deputado estadual Marçal Filho, ambos do PSDB, tiveram a abertura de inquérito autorizado pelo Supremo Tribunal Federal. Eles são acusados de receber dinheiro da JBS na campanha eleitoral de 2014 para votar em Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados em 2015.
Aliás, deputados estaduais ganharam destaque nacional em decorrência da falta de transparência nos gastos do dinheiro público. Além de não divulgar o salário nominal dos parlamentares, uma exigência legal, a Assembleia não divulga as notas fiscais da cota parlamentar na internet.
Um levantamento mostrou que os deputados incluem na cota parlamentar desde o pagamento do condomínio da própria casa até o pagamento de rodízio de pizza e churrasco, cerveja importada e vinho. No entanto, só dois deputados, Zé Teixeira (DEM) e Pedro Kemp (PT) admitiram o erro e devolveram o gasto irregular aos cofres públicos.
Apesar de todos os escândalos, os políticos possuem bastante prestígio na sociedade sul-mato-grossense. Alguns são disputados para tirar fotos e participar de reuniões, repetindo a trajetória de corruptos famosos, como Paulo Maluf, de São Paulo, Aécio Neves, Minas Gerais, e Eduardo Cunha, do Rio de Janeiro. Este último até chegou a receber a visita de Carlos Marun no presídio.