Além de apurar a utilização da esposa e de um laranja para ocultar o patrimônio, o ex-secretário estadual adjunto de Fazenda, André Luiz Cance, é investigado pela Polícia Federal por enviar a propina para o exterior. Ele é acusado de cobrar 1% da Ice Cartões, empresa contratada para emitir carteira de motorista pelo Detran (Departamento Estadual de Trânsito).
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Conforme sentença publicada nesta segunda-feira (9), o juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Federal, negou habeas corpus para trancar a investigação e encaminhar o inquérito para a Polícia Civil. O magistrado considerou informações do delegado da PF, Marcos Damatto, de que surgiram indícios do crime de evasão de divisas, que é competência federal.
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Apontador como operador do ex-governador André Puccinelli (MDB), Cance é investigado na Operação Lama Asfáltica por integrar a suposta organização criminosa que desviou mais de R$ 430 milhões dos cofres públicos.
O ex-secretário adjunto de Fazenda é suspeito de simular o divórcio para ocultar os bens adquiridos por meio de propina e dinheiro desviado no nome da ex-esposa, Ana Cristina Pereira da Silva. Oficialmente, eles estão separados desde 27 de maio de 2012. No entanto, conforme a PF, o casal continua morando na mesma casa.
Com renda anual inferior a R$ 100 mil entre 2008 e 2014, Ana Cristina teve aumento de 1.282% no patrimônio entre 2010 e 2014, de R$ 1,178 milhão para R$ 16,285 milhões. Neste período, ele comprou lotes em condomínio de luxo, como o Alphaville, e adquiriu fazendas no interior do Estado.
“Tendo em vista o possível vínculo existente entre André Luiz Cance e Ana Cristina, o possível envolvimento do primeiro no esquema de desvio de recursos públicos apurado no âmbito da Operação Lama Asfáltica e o acréscimo patrimonial de Ana Cristina (saltou de R$ 1.178.669,15 no início de 2010 para R$ 16.285.094,98 no final de 2014) ser incompatível com os rendimentos declarados por ela, apresentando sucessivos acréscimos patrimoniais a descoberto em valores anuais superiores a dois milhões de Reais (o que tornaria a evolução incompatível, ainda que considerássemos os rendimentos declarados por André Cance), faz-se necessária a quebra do sigilo bancário para apurar a origem e a licitude dos recurso s recebidos e que proporcionaram as sucessivas aquisições imobiliárias dos contribuintes citados”, pontua o magistrado.
Outra parte dos bens teriam sido ocultadas em nome de um laranja, Evaldo Furrer de Matos. Este é o caso da Fazenda Campo Limpo, que gera renda para Ana Cristina, mas oficialmente pertence ao laranja, que nunca declarou movimentação nem rendimentos da propriedade.
As revelações do suposto pagamento de propina pela Ice Cartões surgiram com a apreensão do telefone celular da ex-esposa de Cance na Operação Fazendas de Lama, segunda fase da Lama Asfáltica.
Ela e o marido trocam mensagens sobre valores transferidos, que equivalem a 1% da nota fiscal emitida pelo Detran para a Ice Cartões. Eles até citam repasse para “And” – que pode ser o próprio Cance ou ex-governador. Os repasses oscilam entre R$ 22,1 mil e R$ 200 mil. Em determinado trecho, o valor da propina dobra, passando de 1% para 2%.
Como a investigação começou em 2017 e não foi concluída, o ex-secretário alega excesso de prazo para a manutenção do procedimento. Ele pontua que o Detran é órgão estadual e sem recurso federal, portanto, o inquérito deveria ser encaminhado para a Polícia Civil. A estratégia é semelhante a usada no caso do pagamento de propina pela JBS ao André Puccinelli, que acabou sendo encaminhada para a Justiça estadual.
A PF ressaltou que há indícios de que André Cance enviou parte da propina para o exterior, o que caracterizaria evasão de divisas, já que não houve declaração nem pagamento de tributos sobre a remessa.
“In casu, em análise perfunctória, até o presente momento, pode-se vislumbrar, conforme aduzido pela autoridade coatora, que há indícios robustos de conexão probatória com a prática do crime de evasão de divisas, já que existe a possibilidade da verba indevidamente recebida por ANDRÉ CANCE pela prática, em tese, do delito de peculato ser posteriormente remetida para o exterior, com eventual cometimento de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Dessa forma, a atribuição da Polícia Federal estaria devidamente justificada, já que o delito em apuração envolveria, em tese, interesse da União”, concluiu o juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira.
O ex-secretário ainda mantém a esperança de tirar o caso da Polícia Federal. O mesmo pedido para trancar a ação e enviar o processo para a Polícia Civil será julgado pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
Em outubro deste ano, o juiz concluiu o primeiro julgamento de Cance na Justiça Federal. Ele pode ser condenado por falsificar recibo na venda da Fazenda Angico e driblar bloqueio determinado na Operação Fazendas de Lama. Além da prisão, o ex-secretário pode ser condenado a devolver R$ 4,9 milhões aos cofres públicos.