Ao revogar o decreto de 2009, Jair Bolsonaro (PSL) liberou o plantio da cana-de-açúcar no Pantanal e na BAP (Bacia do Alto Rio Paraguai). Com a medida, o presidente da República ignora luta de quatro décadas em defesa da planície pantaneira em Mato Grosso do Sul, a morte do ambientalista Francisco Anselmo de Barros, o Franselmo e ainda pode comprometer o mercado do etanol brasileiro no exterior.
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A liberação do plantio da cana pode levar a extinção da Pantanal sul-mato-grossense, considerado patrimônio natural da humanidade e um dos principais destinos turísticos do Estado ao lado de Bonito. O alerta é do vereador Eduardo Romero (Rede), da Frente Parlamentar em Defesa do Meio Ambiente.
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“Infelizmente decisões técnicas não são ouvidas pelos políticos, por isso acontecem os grandes desastres”, lamentou o professor universitário aposentado e um dos percursores do movimento contra a instalação de usinas etanol e açúcar no Pantanal, Jorge Gonda, da Funconams.
Não é a primeira vez que políticos tentam dar carta branca aos usineiros para avançarem sobre a paraíso ecológico. Em 1979, usinas começaram a se instalar na Bacia do Alto Paraguai. A mobilização de ambientalistas, políticos e empresários levou a maior passeata em defesa do meio ambiente na Rua 14 de Julho. O grupo se reunia no prédio cedido pelo empresário Avelino dos Reis, que dá nome ao Ginásio de Esportes Guanandizão.
A sociedade conseguiu sensibilizar o então governador Pedro Pedrossian (PDS), que sancionou a lei proibindo a instalação de usinas no Pantanal. A proposta acabou sendo retomada em 2005, na gestão de Zeca do PT, e foi defendida pelo então secretário estadual da Produção e atual deputado federal, Dagoberto Nogueira (PDT).
Sem conseguir a mesma mobilização dos anos 80, os decanos, os mesmos que lideraram a mobilização no início dos anos 80, faziam as contas e temiam perder na Assembleia Legislativa. Uma tragédia mudou o rumo da história e o projeto acabou sepultado. O ambientalista Francisco Anselmo de Barros ateou fogo ao próprio corpo na Rua Barão do Rio Branco, no Centro da Capital, para protestar contra o plantio de cana-de-açúcar no Pantanal.
Como o assunto parece um cadáver insepulto, como definiu o coordenador do Fórum da Cidadania, Haroldo Borralho, outro conterrâneo das lutas de Franselmo, a polêmica voltou a assombrar a sociedade em 2009. André Puccinelli (MDB) voltou a defender a proposta de liberar o plantio de cana-de-açúcar na BAP.
Na época, o emedebista recuou após ganhar fama nacional de lunático ao atacar o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Em uma reunião com empresários, Puccinelli vociferou que planejava correr atrás do ministro e o estupraria em praça pública. Além disso, proferiu palavrões para definir Minc, como “maconheiro” e “viado”.
Maior poeta de MS chamou Franselmo de “último herói” do Brasil
O suicídio do ambientalista Francisco Anselmo de Barros na manhã do dia 12 de novembro de 2005 chocou a população e sepultou a proposta de instalar usinas de açúcar e etanol no Pantanal. Na épocas, o poeta Manoel de Barros fez homenagem e chamou o amigo de “último herói do Brasil”.
Abaixo, veja a carta enviada à viúva de Franselma, Iracema Sampaio:
Querida Amiga
Iracema
O que o nosso querido
Francelmo fez, a mim e a
Stella e a todos nós chocou
tanto, que ficamos um pouco
aparvalhados com a notícia.
Foi uma imolação pela Pátria
que na terra do mensalão
destoa. Mas até pode corrigir,
o que o nosso Francelmo fez
é mais do que um protesto.
Para mim tem o componente
maior do heroísmo.
Francelmo o último herói do Brasil.
Meus sentimentos Iracema.
Seu velho amigo
Manoel de Barros
Dez anos depois, a ex-secretária da Produção de Puccinelli e ministra da Agricultura, Tereza Cristina, anunciou a liberação do plantio de cana-de-açúcar no Pantanal, na Bacia do Alto Paraguai e na Amazônia. O decreto foi assinado por ela, Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
O Decreto 10.084, publicado na quarta-feira (6), revoga o Decreto 6.961, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que instituía o zoneamento agroecológico da cana e vetava, de forma clara, o plantio nos dois biomas.
O Ministério da Agricultura destacou que o decreto estava defasado após o Código Florestal de 2012. Ainda conforme a pasta, novas tecnologias no uso racional da água, como gotejamento e fertirrigação, e o desenvolvimento de novos equipamentos de colheita mecanizada indicavam que os parâmetros que subsidiaram o zoneamento não são mais necessários.
Para o presidente regional do PV, Marcelo Bluma, a revogação do decreto é um erro, porque pode comprometer a exportação do etanol e ameaçar a biodiversidade pantaneira. A União Europeia e o Japão compram o combustível derivado da cana graças ao compromisso expresso do Governo em vetar o desmatamento da Amazônia e a destruição do Pantanal.
O vereador Eduardo Romero alerta para o risco sem precedentes na história do patrimônio natural da humanidade. “É bastante temeroso porque o Pantanal é um bioma bastante frágil e delicado”, frisa o coordenador da Frente Parlamentar. Ele conta que pesquisas apontam para que qualquer desastre pode levar à extinção da planície pantaneira.
Jorge Gonda recorre a duas tragédias com barragens de mineradoras em Minas Gerais, que mataram centenas de pessoas e causaram o sumiço de rios e vilarejos, como exemplos do que pode ocorrer com o Pantanal.
Ele explica que as empresas não fazem a manutenção recomendada nem o poder público fiscaliza. Uma tragédia ambiental, semelhante a mineira, varreria a planície pantaneira, apontada como uma das regiões mais belas do mundo.
Os números da cana em MS
Área | 668,7 mil hectares |
Produção | 49,9 milhões de toneladas |
Açúcar | 865,1 mil toneladas |
Etanol | 3,865 bilhões de litros |
Além de atingir um dos principais destinos turísticos do Estado, o plantio na BAP pode deflagrar movimento nacional e internacional de boicote ao etanol, segundo Haroldo Borralho. A Europa já pensou em suspender acordos com o Governo brasileiro por causa das queimadas na Amazônia.
Com a liberação do plantio da cana-de-açúcar, que pode impulsionar o desmatamento de dois biomas sensíveis e populares nos países desenvolvidos, o Governo federal pode dar o famoso tiro no pé do mercado do etanol.
Nos últimos 15 anos, a área cultivada da cana teve aumento de 380% em Mato Grosso do Sul, saltando de 139,1 mil, na safra 2005/06, para 668,7 mil hectares neste ano, conforme a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
A produção sul-mato-grossense é de 49,9 milhões de toneladas de cana, a quarta maior no País, só atrás de São Paulo, Minas Gerais e Goiás. As usinas produziram 3,285 bilhões de litros de etanol neste ano, crescimento de 255% em 15 anos, quando o montante era de 923,1 milhões de litros.
O setor só não cresceu mais por causa da crise econômica de 2008 e de 2015, quando grupos desistiram de construir novas usinas e houve interrupção do boom no setor. Outro problema, conforme os usineiros, foi a política do Governo federal na gestão petista, de segurar o preço da gasolina.
Os donos de usinas pleiteiam a elevação nos preços dos derivados do petróleo para recuperar os ganhos com o etanol no mercado brasileiro. No exterior, o etanol derivado da cana é mais competitivo em relação do milho produzido nos Estados Unidos.
Ao revogar o decreto, o Governo dá sinais de que o desenvolvimento é mais importante do que a preservação do meio ambiente.
Nesta terça-feira, 12, ambientalistas vão relembrar a morte de Franselmo e aproveitar para protestar contra a liberação do cultivo da cana-de-açúcar no Pantanal. O ato acontece a partir das 9h30 na Rua Barão do Rio Branco.