Nenhum motorista ou contribuinte de Campo Grande tem a mesma sorte e tratamento privilegiado do Consórcio Guaicurus, formado pelas quatro empresas de ônibus da poderosa e influente família Constantino. Conforme inquérito do Ministério Público Estadual, mais de cinco mil multas foram aplicadas entre 2013 e 2018, mas o grupo não desembolsou nenhum tostão.
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De acordo com o promotor Humberto Lapa Ferri, da 31ª Promotoria do Patrimônio Público, apesar da quantidade expressiva de infrações, nenhuma empresa de ônibus teve o nome inscrito na dívida ativa do município nem foi acionada na Justiça.
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Somente entre 2013 e 2016, quando o município esteve sob o comando de Alcides Bernal (PP) e Gilmar Olarte (sem partido), o consórcio cometeu irregularidades e sofreu 3.122 multas, que somaram mais de R$ 2 milhões. No entanto, não houve o pagamento de nenhum centavo aos cofres municipais, conforme depoimento do diretor-presidente da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), Janine de Lima Bruno.
“Mesmo diante da ausência de pagamentos das multas aplicadas à Concessionária do Transporte Público, os Diretores-Presidentes da AGETRAN permaneceram inertes desde o ano de 2013, sem adoção de medidas efetivas para o pagamento das sanções (MULTAS)”, pontuou o promotor em recomendação publicada na quinta-feira (5).
A Lei Municipal 4.584/2007 é clara sobre a punição da concessionária do transporte coletivo, a multa deve ser paga em 10 dias ou o débito é inscrito na dívida ativa. Nenhuma punição foi adotada nos últimos seis anos.
Em depoimento à promotoria, o presidente da Agetran admite que o Consórcio Guaicurus é beneficiado por “falha” no sistema. “É forçoso constatar que há um imbróglio no julgamento dos Autos de Infração, pois o Auto é lavrado em 3(três) vias de acordo com a Lei nº 4584/2007. Vão assinadas pelo fiscal e pelo infrator ou preposto da concessionária ou testemunhas. No entanto, os fiscais não pegam a assinatura do preposto ou de duas testemunhas como manda a Lei, ocorrendo preliminarmente em vícios formais do auto de infração por violação dos artigos 38 e 44, inciso IV da referida Lei. Diante disso, a junta fica impedida de analisar o mérito do Auto de Infração pelo descumprimento da referida Lei e consequentemente não possuir amparo legal”, justificou Janine Bruno.
Esse “erro” livrou as empresas de ônibus de 80% das multas em 2017. Só um fiscal aplicou 1.969 autos de infração entre fevereiro e julho daquele ano. No entanto, como ele não seguiu a lei, a junta acatou o pedido do consórcio e anulou 1.574 infrações. Apesar do prejuízo milionário aos cofres municipais, o tal fiscal não foi advertido por ninguém para não perpetuar no erro.
“A flagrante divergência dentro dos órgãos da Administração Pública quanto ao cumprimento efetivo da legislação em vigor, haja vista a fiscalização da AGETRAN não preencher corretamente os Autos de Infração, aliada à ausência de apresentação de proposta por parte da JARIT/AGETRAN, visando aperfeiçoar a sistemática de julgamentos de recursos, e ainda, a inércia da AGEREG em julgar os recursos em última instância, sendo necessária a criação da JAJUR/AGEREG somente em 2018, para efetivação das decisões e aplicação, ou não, das sanções pecuniárias (MULTAS)”, anotou o promotor, espantado com a negligência de dois órgãos municipais.
Nem as sete multas que tiveram recursos improvidos foram pagas pelo Consórcio Guaicurus. O tratamento dispensado às empresas da família Constantino difere totalmente do dispensado aos motoristas comuns.
Mais de 90% dos recursos contra as multas de trânsito são julgados improcedentes e os condutores são obrigados a pagá-las para ter o licenciamento em dia para não correr o risco de ter o carro apreendido.
Enquanto a Agetran não arrecadou nenhum centavo com as empresas de ônibus, o órgão já faturou mais de R$ 9 milhões com as multas aplicadas pelos agentes de trânsito, radares e lombadas eletrônicas nos cidadãos, conforme o Portal da Transparência da Prefeitura de Campo Grande.
Para acabar com essa regalia, o promotor pede que a prefeitura inscreva as multas não pagas na dívida ativa e oriente os fiscais a preencher corretamente os autos de infração.
Ferri pede que os presidentes da Agetran, Janine Bruno, e da Agereg, Vinícius Leite Campos, “PROCEDAM, no âmbito de suas atribuições, a inscrição da Concessionária no Cadastro da Dívida Ativa do Município de Campo Grande/MS, diante do não pagamento das multas emitidas, a teor do art. 48, da Lei n. 4.584/07, ou JUSTIFIQUEM a ausência de cobrança das 3.122 (três mil, cento e vinte e duas) Notificações de Multa, emitidas pela AGETRAN, de 2013 a 2016, cujas datas de vencimento para pagamento encontram-se expiradas”.
Esse não é o único privilégio das empresas de ônibus no município. Elas não ganharam mais de R$ 42 milhões em impostos.
A tarifa continua sendo uma das mais caras do País, apesar do transporte coletivo continuar ruim, superlotado e precário. O município deixou de multar a concessionária por circular com ônibus velhos no início do ano.
O transporte coletivo de primeiro mundo, com conforto e preço justo, ainda só existe na campanha eleitoral.
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