Prédio de luxo, moderno e principal destino de artistas e jogadores da seleção brasileira por três décadas, o Hotel Campo Grande pode ser transformado em moradia social após ficar 18 anos fechado. Ousado e caríssimo, o polêmico projeto põe a Capital no caminho das mais modernas metrópoles do mundo, que discutem meios de ocupar e revitalizar os centros urbanos.
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Por outro lado, o mau costume dos políticos locais, de não dar seguimento às boas ideias. O caso mais notável é a Orla Ferroviária, que custou aproximadamente R$ 7 milhões aos cofres públicos, mas segue abandonada. Projetados para serem pontos de encontro e divulgar a gastronomia local, os vagões viraram points de usuários de drogas e moradores de rua.
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Na semana passada, o prefeito Marquinhos Trad (PSD) tornou público o interesse em investir R$ 38 milhões no Hotel Campo Grande, fechado desde 2001, para transformá-lo em moradia social. O dinheiro pode vir do Ministério do Desenvolvimento Regional, que ficou tão encantado com a proposta a ponto de cogitar a transformação em projeto piloto para ser levado a outras capitais.
A Emha (Agência Municipal de Habitação) estima que serão necessários R$ 13 milhões para a desapropriação e mais de R$ 25 milhões para transformar os 84 apartamentos em 117 moradias de 28 a 30 metros quadrados. Cada apartamento teria banheiro, cozinha e quarto. Para quem achou pequeno, em São Paulo, há stúdio com 12 metros quadrados.
De acordo com Gabriel Gonçalves, diretor de Habitação e Programas Urbanos da Emha, o público alvo do empreendimento seriam os trabalhadores da região central e universitários. Caso a proposta de povoar o centro decole, outros seis edifícios podem ter o mesmo destino.
Além de abrigar 117 famílias, o mezanino e o térreo do hotel poderiam ser transformados em centro cultural, como forma de manter a revitalização da região central. A medida completaria com o Reviva Centro, que vem modernizando a Rua 14 de Julho.
A proposta foi festejada pelos arquitetos, mas dividiu a opinião dos comerciantes e vereadores. A principal crítica é ao custo do projeto, que beneficiar os herdeiros da família Coelho, que investiram 20 mil cabeças de bois na construção do Hotel Campo Grande, inaugurado em 1971.
Idealizado em 1966 pelo escritório paulista de arquitetura Botti e Rubin, de Alberto Rubens Botti e Marc Bores Rubin, o edifício foi construído pelo pecuarista Laucídio Martins Coelho. Até 2001, quando a família não suportou as dívidas e fechou as portas, o hotel recebeu estrelas, como Roberto Carlos, Xuxa, astros sertanejos, a seleção brasileira de vôlei e bandas, como Mamonas Assassina e Menudos.
O CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas) prevê que o valor da indenização será o dobro do divulgado pelo município e o investimento total chegará a R$ 54 milhões. Nas contas do presidente da entidade, Adelaido Vila, cada apartamento custará R$ 245 mil, enquanto uma casa popular, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, fica em R$ 45 mil.
O vereador André Salineiro (PSDB) segue o mesmo raciocínio. Para o tucano, caso investisse em moradias populares, a prefeitura poderia contemplar 830 famílias com os R$ 38 milhões, considerando-se o valor de R$ 17 milhões investidos na construção de 272 unidades para famílias de baixa renda.
Já arquitetos e urbanistas celebraram o projeto de transformar o Hotel Campo Grande em moradia social. Professor universitário aposentado e arquiteto, Ângelo Arruda, considera a decisão acertada e que segue tendência mundial. Ele conta que a proposta de ocupar os vazios urbanos no Centro começou na gestão de Juvêncio César da Fonseca (MDB), de 1993-1996, mas sempre esbarrou nos comerciantes.
Em nota dura, a CDL alertou para o risco do projeto. “A entidade reforça que sempre defendeu o retorno dos moradores ao centro, porém é preciso que seja feito com planejamento, garantindo bem-estar e qualidade de vida e não simplesmente jogando famílias em um lugar sem qualquer infraestrutura para uma habitação saudável e digna”, alertou Vila.
Exemplos de projetos maravilhosos que fracassaram não faltam na Capital. O caso mais emblemático é o Conjunto Nova Esperança, que foi projetado para ser um bairro exemplar, com toda a estrutura, mas se transformou em favela e sem qualquer equipamento público. Mais de 30 anos depois, os moradores se viram obrigados a ingressar com ação na Justiça para cobrar a infraestrutura prometida por Lúdio Coelho.
O arquiteto e professor universitário Fernando Camilo considera a proposta viável. “Entretanto, antes de mais nada é necessário tomar cuidado com estas manifestações de interesse do poder público. Não se pode apresentar um estudo que ainda esteja na dimensão utópica e mobilizar toda essa discussão sem o interesse de fato de produzir uma política de desenvolvimento urbano que resolva nossas reais necessidades de ocupação e habitação na região do centro de Campo Grande”, alertou, em entrevista ao site Campo Grande News.
“Deve haver outros lugares, mas porque não também esse. A memória deve ser preservada, mas não necessariamente o glamour de antigamente. Acho viável, mas também delicado, exigindo estudos e transparência. Espero que a iniciativa do poder público vise o bem coletivo e não vantagens individuais”, pontuou Gogliardo Maragbno, professor universitário, arquiteto e urbanista, também ao Campo Grande News. Ele é autor do livro “Arquitetura em Campo Grande”.
Entusiasmado com o projeto, Marquinhos Trad detonou os críticos do investimento, os quais chamou de “pobres de espírito”. Ele ressaltou que os selecionados não morar de graça no local. Para viabilizar a moradia social, o município deverá dar desconto no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), já que o prédio fica na esquina das ruas 13 de Maio e Marechal Cândido Mariano Rondon.
Os técnicos da Emha estudam detalhes para evitar problemas no futuro. O maior risco é a comercialização dos apartamentos pelos beneficiários, que podem ganhar uma fortuna com a venda do imóvel bem localizado. Nesse caso, o risco é de ocorrer cartelização, como ocorre com os alvarás de táxi e boxes no Camelódromo.
Outras regras é garantir o funcionamento do condomínio, para que o edifício não vire um cortiço ou favela vertical, como temem comerciantes e moradores do Centro.
Arruda é mais radical ao propor uma proposta inovadora para os costumes campo-grandenses: os moradores do local não deveriam ter carro. Como o sorteado vai trabalhar no Centro, ele não precisaria de automóvel ou moto para o deslocamento, que poderia ser feito a pé, e ajudaria a preservar o meio ambiente com poluição zero.
Pela reação, apesar de ser considerado caro, o projeto é sensacional, mas precisa ser levado até o fim, sem interrupções pelos próximos prefeitos, e ser implementado como um projeto da cidade, para que não se transforme em mais um fracasso a trazer dores de cabeça para Campo Grande.