O Ministério Público Estadual cedeu às pressões do governador Reinaldo Azambuja (PSDB) e dos deputados estaduais e alterou portaria, editada há nove anos, para dificultar o combate à corrupção contra autoridades com foro especial. Com a mudança de postura do procurador geral de Justiça, Paulo Cezar dos Passos, a Assembleia Legislativa cogita desistir da polêmica emenda que vetava a delegação de competência para promotores e procuradores.
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É o maior retrocesso em 40 anos no combate à improbidade cometida por governador, desembargadores, conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, secretários estaduais e deputados.
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Com a Portaria 1.205/2019, publicada nesta terça-feira (9), Passos mantém a delegação para que inquéritos civis contra políticos com foro privilegiado sejam conduzidos por promotores e procuradores.
O escárnio só não foi total, porque o procurador-geral de Justiça mantém a validade da Portaria 772/2010, editada pelo então chefe do MPE e atual desembargador Paulo Alberto de Oliveira, para as investigações e procedimentos em andamento. Na prática, não sepulta, em uma única canetada, mais de 100 inquéritos contra a corrupção em andamento.
No entanto, o retrocesso está nos detalhes. A partir desta terça-feira, todas as denúncias contra os corruptos, protegidos pelo foro especial, deverão ser remetidos ao procurador-geral de Justiça, que fará análise individual de cada caso. O risco de se seguir a velha máxima, aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei.
O chefe do MPE determina que autoridade com foro especial só prestará depoimento se for convocada com 48 horas de antecedência. Na prática, conforme o Midiamax, acaba com as operações de combate à corrupção comandada pelos promotores do Patrimônio Público, porque os investigados seriam avisados com antecedência.
A Resolução, publicada ontem, vai na contramão do Conselho Nacional do Ministério Público, que apontou irregularidades na conduta do promotor Alexandre Capibaribe Saldanha. Na ocasião, ao abrir inquérito contra um secretário estadual por enriquecimento ilícito, ele o comunicou previamente da abertura de inquérito.
No procedimento, o CNMP observou que o promotor nunca encontraria nenhuma irregularidade ao avisar o investigado da abertura do inquérito, que teria tempo para destruir provas e contaminar a investigação. Agora, com base na resolução de Passos, a irregularidade se transformou em política oficial do MPE de Mato Grosso do Sul.
Os investigados poderão colocar sob suspeição o trabalho realizado pelos promotores. Na prática, Reinaldo ganha força para afastar o promotor Marcos Alex Vera de Oliveira, que apura desvio de R$ 1,6 milhão na contratação de gráficas na Operação Aprendiz.
Passos determina que o MPE deve buscar acordo com os investigados para garantir o ressarcimento dos cofres públicos antes de propor ação por improbidade administrativa à Justiça.
Caso a resolução tivesse em vigor, o secretário especial Sérgio de Paula, chefe do Escritório de Relações Institucionais, não estaria em apuros com a Justiça por ter usado avião do Estado para levar a família ao enterro e à missa de 7º dia do pai em Andradina (SP).
“Com essa resolução, os deputados nem precisam mais da emenda no projeto proibindo o chefe do MPMS de atribuir a prerrogativa de investigar agentes público e políticos com foro privilegiado. Saiu melhor que a encomenda, porque tem um monte de detalhes que praticamente engessam a investigação de quem está no poder”, revelou o procurador ao Midiamax.
O presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação da Assembleia, Lídio Lopes (Patri), já admite retirar a emenda polêmica que favorecia a impunidade dos corruptos com foro especial.
Em entrevista ao Campo Grande News, ele festejou a mudança. Para o deputado, denunciado por manter uma funcionária fantasma por quase quatro anos, a resolução “pode até revisar se existir exageros, o que estava acontecendo muito”.
Réu por peculato, corrupção e organização criminosa na Operação Antivírus, que apura desvio milionário no Detran, o relator do projeto no legislativo, Gerson Claro (PP), também ficou feliz com a resolução. Ele considera possível acordo com Passos.
Não é a primeira vez que Paulo Passos adota medida polêmica. Em 2017, ele concordou com Reinaldo Azambuja (PSDB) para contratar duas empresas sem licitação para concluir o Aquário do Pantanal.
Apesar de a lei ser clara sobre a exigência, o chefe do MPE concordou com a contratação direta da Tecfasa Brasil e Construtora Maksoud Rahe por R$ 38 milhões. O procurador-geral de Justiça recuou após Marcos Alex ingressar com ação e obter liminar obrigando a realização de licitação para a polêmica obra, que já custou R$ 230 milhões aos cofres públicos e é investigada pela Polícia Federal na Operação Lama Asfáltica.
A falta de portaria dando respaldo à delegação de investigações já livrou autoridades de investigação, como a desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges, que acabou afastada do cargo pelo Conselho Nacional de Justiça.
Mato Grosso do Sul retrocede no combate à corrupção justamente no momento em que o foro privilegiado caminha para a extinção no País.
Em maio do ano passado, em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal restringiu o foro especial aos crimes cometidos no mandato. Com a decisão, a corte, que leva décadas para analisar denúncias, enviou milhares de inquéritos e ações penais para primeira instância.
Dois casos emblemáticos mostram a importância do foro especial. O secretário estadual de Saúde, Geraldo Resende, foi alvo de inquérito aberto em 2010 na Operação Uragano. O caso tramita há nove anos no STF como inquérito, sem desfecho, e o atual secretário estadual de Saúde luta para manter a investigação na corte mais alta do Brasil.
O ex-presidente Michel Temer (MDB), acusado de desviar dinheiro público há 40 anos e receber R$ 1,8 bilhão em propinas, só começou a ser investigado em 2017 no STF. O inquérito saiu do Supremo em janeiro e o emedebista já fez teste drive de cinco dias na prisão. É o começo do fim da impunidade.
Infelizmente, com a mudança de postura do MPE, Mato Grosso do Sul vai recorrer a quem para nos salvar?