A Justiça Federal concluiu, após 12 anos, mais um julgamento da Operação Bola de Fogo, maior ofensiva da Polícia Federal contra a Máfia do Cigarro. Desta vez, o empresário Hyran Georges Delgado Garcete, acusado de ser o líder da organização criminosa, foi condenado a 21 anos, sete meses e 11 dias de prisão em regime fechado. No entanto, devido a morosidade do Poder Judiciário Federal, os crimes prescreveram e houve a absolvição de 21 das 31 pessoas denunciadas em 2006.
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Em sentença de 140 páginas, publicada nesta sexta-feira, o juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, da 3ª Vara Federal de Campo Grande, ainda condenou a seis anos de reclusão em regime semiaberto a mãe e irmã do empresário, respectivamente, Alzira e Daniela Delgado Garcete.
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O sogro, Nelson Issamu Kanamoto, foi condenado a oito anos, cinco meses e sete dias de prisão em regime fechado por ser auxiliar de Garcete na organização criminosa. O cunhado, Nelson Kanamoto Júnior, teve a pena de sete anos, um mês e 15 dias.
A esposa, Patrícia Kazue Mikai Kanamoto, e a sogra Maria Mukai Kanamoto, foram condenados a sentença de quatro anos em regime aberto, que será substituída por pena restritiva de direitos. O mesmo vale para o advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, condenado a três anos em regime aberto.
Outras 21 pessoas, que integraram o esquema de contrabando de cigarro, falsidade ideológica e como “laranjas” de empresas, acabaram absolvidas porque os crimes prescreveram.
É o desfecho da Bola de Fogo, maior operação de combate ao contrabando de cigarro do Paraguai, que cumpriu 135 mandados de busca e apreensão e prendeu 116 pessoas em vários estados brasileiros em maio de 2006.
Na época, Garcete foi preso com 13 armas de fogo distribuídas na casa em Campo Grande, nas fazendas e nas empresas. Ele tinha fuzil e submetralhadora como parte do arsenal.
Na época, a Receita Federal fechou a Sudamax, fabricante de cigarro em Cajamar, no interior de São Paulo. O grupo foi acusado de sonegar R$ 800 milhões ao fisco.
O esquema montado por Garcete, conforme a Polícia Federal, enviava cigarro contrabando do Paraguai e o produto fabricado no Brasil para a exportação para os estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Foram registradas apreensões de cargas em São Paulo e no Rio Grande do Sul.
A operação identificou uma fortuna em nome do empresário, da mãe e das irmãs em bancos nos Estados Unidos, Holanda, Suiça e Paraguai. Em depoimento à Justiça, ele estimou US$ 4 milhões no exterior (o equivalente a quase R$ 16 milhões).
No entanto, o montante pode ser muito maior. O juiz destaca que a remessa total ao exterior foi de US$ 11,6 milhões. O total de depósitos identificados somou US$ 16,424 milhões – mais de R$ 60 milhões na cotação atual do dólar comercial.
Para fisgar a organização criminosa, considerada uma das mais bem estruturadas do Brasil, a PF reuniu provas, depoimentos, conversas captadas em interceptações telefônicas, documentos e o organograma dos criminosos. Identificou todos os funcionários e familiares usados para abrir empresas, ocultar bens e movimentar dinheiro.
Só o inquérito policial terminou com seis volumes, um calhamaço de papel. Até dinheiro depositado em nome de Alzira e das irmãs em bancos de Nova Iorque foi descoberto.
A grandiosidade e a impunidade
A Justiça Federal ouviu 149 testemunhas e interrogou 31 réus. Os números revelam a grandiosidade da investigação e do processo penal. Somente a outra ação penal, que começou a tramitar em Campinas, são mais 29 réus:
Confira os principais números:
- Ação Penal: 40 volumes e mais 10 mil páginas
- Réus: 31
- Testemunhas: 149
- Depoimentos na PF: 195
- Presos em 2006: 111 pessoas
- Inquérito da PF: 6 volumes
- Curiosidade: dois réus com mais de 70 anos e um com 90 anos
- Tempo da tramitação: 12 anos
- Sentença: 140 páginas
“Conjugando-se tal depoimento com aquilo que restou coletado nos monitoramentos telefônicos, não há qualquer dúvida de que HYRAN liderava uma associação criminosa estável, voltada à prática do delito de contrabando de cigarro em larguíssima escala”, observou o juiz.
“HYRAN não apenas se utilizou de contas correntes de terceiros chamados laranjas, mas estruturou uma vasta rede de empresas cujas razões econômicas ou bem seriam indelevelmente ligadas à prática da lavagem (empresas de fachada), sem subsistir de fato no mundo fenomênico, ou estavam postas à disposição, para além de suas ordenanças, dos mecanismos de lavagem”, anotou, sobre a megaestrutura que vingou por mais de oito anos.
“São milhares de diálogos telefônicos mantidos entre os membros da organização. Não é possível transcrever todos ou sequer os resumos das conversas. São de grande relevância probatória, também, o teor de cada conversa resumida às fls. 4044/4081 (Nélson Kanomata), 4028/4044 (Nélson Júnior), 4000/4004 (Maria Kanomata) e 4093/4106 (Patrícia).[…] as conversas telefônicas dão conta de que Hyran Garcete se utilizava de terceiros para figurarem em em-presas suas e também como cedentes de contas bancá-rias para depósito; Hyran se utilizava de diversas pessoas, dentre elas Alzira, sua mãe, duas irmãs suas, Patrícia, sua esposa, diversos empregados, entre outras”, comentou Bruno Cezar.
“A denúncia não é genérica (fls. 02/37), mas suficientemente enredada. Narra os fatos e faz a individualização possível nos casos de crimes complexos e com multiplicidade de réus, aqui em número de 31”, conclui.
No entanto, apesar dos esforços da PF, da Receita Federal, do Ministério Público Federal e do magistrado, que assumiu a vara no final de março do ano passado, a maioria dos denunciados saiu impune graças à prescrição dos crimes em decorrência da morosidade do Justiça Federal.
“De todo modo, convém ressaltar que a prescrição penal terminou sendo uma infausta realidade neste feito, como adiante teremos a oportunidade de esclarecer. Falamos da prescrição pela pena em abstrato, sem mencionar a possibilidade, quanto à grande maioria de acusados, de que eventuais penas estejam fulminadas pela prescrição pela pena em concreto, diante do tempo de tramitação”, lamentou o magistrado.
Outros dois núcleos identificados na Operação Bola de Fogo ainda dependem do julgamento das ações penais. Uma tramita em Natal (RN). A terceira chegou a tramitar em Campinas, mas o TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) acabou enviando para ser julgado pela 3ª Vara Federal de Campo Grande.
Dos 10 condenados, somente Garcete, o sogro e o cunhado podem cumprir pena em regime fechado. No entanto, eles ainda serão beneficiados pelo fato da sentença ainda depender de julgamento no TRF3 para iniciar o cumprimento da pena.
A corte é marcada pela morosidade. Só para se ter ideia, o escândalo do lixo, de 2012, tramita em sigilo no TRF3 e, pasme, ainda está na fase de inquérito. Um dos alvos do caso é Antonieta Amorim (MDB), que tinha foro privilegiado por ser deputada estadual até ontem.
A impunidade ainda é um problema grave no combate ao crime organizado no Estado.
Réus negam crimes, atribuem dinheiro no exterior à herança e alegam provas frágeis
Na defesa na Justiça todos os réus negaram integrar quadrilha e praticar os crimes de falsidade ideológica, contrabando, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e evasão de divisas.
Hyran Garcete atribuiu à fortuna em bancos no exterior à herança deixada pelo pai, que somava US$ 1,9 milhão na época, O dinheiro teria sido dividido entre ele, a mãe e as duas irmãs.
Sobre relação com o sogro, Nelson Kanamoto, ele atribuiu a empréstimos entre ambos e a esposa. Os advogados acusaram que as alegações finais do MPF foram “confusas” e as provas eram frágeis.
O advogado Félix Jayme Nunes da Cunha disse que emprestou a conta bancária para o empresário. Ele disse que recebeu duas prestações da venda de uma aeronave para o Frigorífico Mercosul por R$ 2,7 milhões. Parte do dinheiro teria sido usada para quitar obrigações trabalhistas.
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