A morte de um bebê de dois meses, com os sintomas da gripe, desmascarou, de forma trágica e cruel, a propaganda oficial sobre o sistema público de saúde em Campo Grande. Durante oito horas, enquanto o jovem casal aguardava atendimento para o filho na Unidade de Pronto Atendimento do Bairro Coronel Antonino, eles ficaram sabendo de que não acabou a eterna crise e o caos no sistema público.
A deficiência é tão grave que a mãe chegou à conclusão de que o filho poderia estar vivo se não se socorresse à rede pública de saúde da Capital. É a tragédia se sobrepondo à campanha intensiva de que pagando o IPTU em dia, o prefeito Marquinhos Trad (PSD), no cargo há um ano e quatro meses, garantiria o retorno com investimento em saúde, educação e infraestrutura.
A morte do bebê virou escândalo nacional.
O jornal Top Mídia News e o Jornal da Record, da RecordTV, contaram o drama da mãe, Stefani Larissa Gondin da Costa, 19 anos. Arthur Miguel, de apenas dois meses, apresentou os sintomas da gripe. Como ele melhorava com inalação, ela não o levou ao médico.
Na segunda-feira, como ia ao Centro da cidade, decidiu seguir a recomendação médica e submetê-lo a exame profissional na manhã de segunda-feira, 23 de abril. Encontrou a UPA Coronel Antonino lotada. O bebê chegou às 8h e só conseguiu passar na triagem, para verificar a gravidade do problema, três horas depois.
Outros pais usaram as redes sociais e até jornais para denunciar a superlotação e a demora no atendimento. Oficialmente, cinco pediatras atendiam na unidade. Teve mãe que passou o dia todo no posto de saúde e foi embora com o filho, com os sintomas de pneumonia, sem atendimento.
Arthur Miguel precisava ser submetido a exame de raio-X, mas o equipamento da UPA estava quebrado. Mesmo assim, o médico receitou soro, medicamentos e um período em observação.
Sete horas depois, conforme a mãe, o estado de saúde se agravou e o bebê foi entubado. Só que o equipamento não estava funcionando e os funcionários se revezaram no bombeamento de oxigênio com as mãos na esperança de manter o garoto vivo até o surgimento de uma vaga de UTI Neonatal.
Não havia leito disponível em nenhum dos hospitais da Capital. As 44 vagas de UTI Neonatal estavam ocupadas. Em Aquidauana, desesperado, um pai recorreu às redes sociais para apelar por vaga em centro de terapia intensivo para o filho, também bebê, que corria risco de morte. Ele conseguiu transferir a criança para Dourados.
Arthur não teve a mesma sorte e morreu uma hora após ser colocado no respirador artificial. Faltou estrutura na UPA para salvar o filho de Stefani.
”Demoraram para atender, na triagem não perceberam que meu filho não estava bem, não fizeram exame porque a máquina de raio-x estava estragada. E entubaram meu filho mesmo sabendo que o oxigênio não estava funcionando. Se sabiam disso, por que entubaram? Para matar?”, questiona-se a mãe, desolada diante da tragédia da saúde de Campo Grande.
”Meu filho sempre ficava doentinho, mas eu fazia inalação em casa e ele ficava bem. Talvez se eu não tivesse levado ele para a UPA, ele estivesse aqui comigo agora”, conclui, sozinha diante da publicidade oficial de que as coisas melhoraram com a saída de Alcides Bernal (PP).
Em nota ao Top Mídia News, a Secretaria Municipal de Saúde tentou culpar a família pela morte do bebê. “os familiares da criança relataram a equipe médica que fez o atendimento, que a mesma já apresentava sintomas há 4 dias, mas somente na segunda-feira (23) é que buscaram atendimento. Também não consta no histórico do prontuário do paciente nenhum outro atendimento em unidade básica de saúde de acompanhamento após o nascimento ou ainda administração de vacinas”, informa.
Na prática, o poder público dá razão às lamentações da mãe. Na única oportunidade que levou o filho ao médico, ele saiu morto.
O município nega qualquer falha. “Não houve negligência ou demora no atendimento da criança”, garante, apesar da gritaria nas redes sociais e até nos jornais.
O mais grave de tudo é que o menino pode ter morrido do vírus da gripe. Antes do início do inverno, quatro pessoas já morreram da doença causada pelo vírus H3N2, o terror da temporada, em Mato Grosso do Sul.
Até o momento, o poder público não lançou a campanha nem plano de emergência (com estoques de medicamentos e reserva de leitos em hospitais) para evitar mais uma tragédia.
A prevenção é a melhor saída diante do atual quadro da saúde pública, onde se inauguram hospitais que não entram em funcionamento. Faltam vagas, faltam médicos, faltam remédios. Aliás, até a verdade tem faltado ultimamente.
A propaganda é boa até o cidadão precisar do serviço de saúde que ela propaga.
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