O juiz Dalton Igor Kita Conrado, da 1ª Vara Federal de Campo Grande, negou pedido para condenar a União a pagar indenização de R$ 1 milhão à família do indígena Oziel Gabriel, 35 anos, ocorrida durante a desocupação de uma fazenda em Sidrolândia. O principal motivo foi a perda do projétil, que causou a morte, no transporte da vítima até o hospital de Sidrolândia.
Três familiares de Oziel – Samir, Jean Carlos e Joezer Mamedes Gabriel – ingressaram com ação de indenização pela morte do indígena durante a desocupação da Fazenda Buriti, do ex-secretário estadual de Fazenda, Ricardo Bacha, no dia 30 de maio de 2013. Na época, policiais militares do Cigcoe, sob o comando da Polícia Federal, participaram da retirada dos indígenas.
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“Fato ocorrido após o povo Terena da Terra Indígena Buriti, no município de Sidrolândia/MS, cansados do descaso por parte do governo incumbido de demarcar e proteger suas terras teve a decisão coletiva de retomar a Fazenda Buriti e Cambara, de propriedade do ex-deputado Ricardo Bacha, em 18 de maio de 2013”, afirmou o advogado Luiz Henrique Eloy Amado.
A área foi declarada terra indígena pelo Ministério da Justiça em 2010, mas nunca houve a demarcação. “Fato é que, o sofrimento vivido pela comunidade, por saber que a terra que retomaram é de seu povo, e verem um guerreiro (em seus dizeres) perder sua vida lutando pela vida do povo Terena, causa verdadeiro alarme em relação às ações do Estado Brasileiro. Os Terena de Buriti sentem-se inseguros e desprotegidos, sofrem a dor e a perda de um jovem de 30 anos, casado, e pai de 2 (dois) filhos”, pontuou.
“Por todo o exposto, Excelência, é reluzente o dever de o Estado indenizar a família e comunidade pela perda de Oziel Gabriel. A dor não será remediada com isso, mas a indenização devolverá a eles o sentido da justiça”, pediu o defensor.
Ele pediu indenização por danos morais de R$ 1 milhão à família e de R$ 500 mil aos indígenas da Aldeia Córrego do Meio.
“De acordo com os documentos trazidos aos autos, verifica-se que o alegado dano ocorreu em decorrência ao cumprimento do mandado de reintegração de posse, expedido nos autos nº 0003407-80.2013.4.03.6000 desta 1ª Vara Federal”, pontou Conrado na sentença de 11 de setembro deste ano.
Para negar o pedido de indenização, o magistrado destacou que houve reação e violência por parte dos índios, que rejeitaram a saída pacífica das propriedades. “Conforme documento Num. 13441695 – Pág. 113-114, ‘considerando a gravidade da situação, em especial, a da Fazenda Buriti, que acabou por ser invadida, e, bem assim, a agressividade que os índios terenas têm demonstrado em situações análogas (segundo o oficial de justiça Marcelo, no último episódio da espécie, teriam apontado flechas contra ele, e, mesmo, contra o Delegado de Polícia Federal que o acompanhava), inclusive com a participação de pessoas da mesma aldeia’, foi deferido pelo Juízo, em 15/05/2013, a requisição de força policial, a ser fornecida pela Polícia Federal”, destacou.
“Como noticiado em vários momentos dos autos, bem como pela imprensa local, é fato que durante o cumprimento do citado mandado de reintegração de posse houve enfrentamento/resistência por parte dos índios aos policiais, mediante uso, inclusive, de armas de fogo. Por pertinente, transcrevo parte da certidão positiva de desocupação lavrada pelo oficial de justiça presente no dia dos fatos”, observou o juiz.
“Assim, é fato que a Polícia agiu em conformidade com a lei e com o treinamento policial, em estrito cumprimento do dever legal, apenas repelindo a hostilidade/agressividade recebida pelos índios, o que afasta/inviabiliza a possibilidade de aplicação da teoria da responsabilidade objetiva do ente estatal”, observou.
“Conforme apurado pela Sindicância Investigativa nº 002/2013, ‘em que pese as consequências indesejáveis da ação – ferimentos e morte de uma pessoa – a operação obedeceu integralmente o detalhado planejamento elaborado, sendo que o uso da força já era previsto, especialmente no caso de risco a integridade física dos policiais, o que de fato ocorreu. (…) verifica-se que houve planejamento minucioso, esgotou-se a possibilidade de negociação, a reação policial foi proporcional às injustas agressões recebidas, inclusive com uso de arma de fogo pelos indígenas, sendo respeitado o princípio do uso progressivo da força, em obediência à doutrina de gerenciamento de crises’”, frisou Dalton Igor Kita Conrado.
Outro ponto citado pelo juiz foi o extravio da bala que causou a morte de Oziel, o que poderia levar a identificação da força policial responsável pelo óbito, a PM ou a PF. “Revela-se, por fim, forçoso ressaltar que, conforme conclusão do IPL 240/2013 ‘o extravio do projétil, ocorrido durante o transporte da fazenda ao hospital ou durante o atendimento médico, trouxe prejuízo considerável a presente investigação, pois não é possível assim aferir qual o calibre e de qual arma de fogo (seja policial federal, militar ou indígena) partiu o disparo, impossibilitando a identificação cabal da autoria delitiva, razão pela qual deixei de proceder ao indiciamento de qualquer servidor policial’”, ressaltou o magistrado.
“Em outras palavras, não houve a identificação de qual arma de fogo partiu o disparo que matou o Sr. Oziel, não restando comprovado, portanto, a existência do alegado ato ilícito comissivo praticado por parte da ré”, pontuou, sobre a responsabilidade da União.
“Assim, embora lamentável a morte do índio Oziel Gabriel, não há que se falar em indenização por danos morais ou em pensionamento aos autores”, concluiu Conrado. “Diante do exposto, em relação ao pedido de dano moral da família extensa (comunidade), julgo extinto o processo sem resolução de mérito, na forma do art. 485, VI, do CPC (ilegitimidade ativa)”, afirmou.
Ele também negou o pedido de indenização para a aldeia Córrego do Meio.
Os parentes de Oziel poderão recorrer da sentença ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.