Dois casos polêmicos mostram que a lei não basta para o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, no centro de um escândalo nacional, decidir o futuro de um suspeito de cometer crimes de alta periculosidade. Ambos possuem problemas psiquiátricos e se envolveram em crimes de grande repercussão, mas a presença, o poder e a influência da mãe sobre os desembargadores fez a diferença na história.
Preso com 130 quilos de maconha, 199 munições de fuzil calibre 762, considerado de uso exclusivo das Forças Armadas, e uma pistola de nove milímetros, o engenheiro Breno Fernando Solon Borges, 37 anos, teve a sorte de nascer em berço de ouro. Mesmo com duas prisões preventivas decretas, deixou a cadeia para se submeter a tratamento médico em uma clínica particular na Capital.
Já o universitário Dyonathan Celestino, 25 anos, apreendido aos 16 após matar três pessoas e deixá-las em forma de cruz em Rio Brilhante, a 150 quilômetros de Campo Grande, continua preso. Como não teve família com poder financeiro, o “Maníaco da Cruz” recebe tratamento médico atrás das grades, embora, pela lei, ele deveria ter sido liberado, e a Defensoria Pública tenha apresentado laudo de psiquiatra conceituado de que o jovem poderia ganhar a liberdade.
Os dois tiveram o destino selado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
A mãe de Breno, Tânia Garcia de Freitas Borges é desembargadora desde 20 de novembro de 2003 e fez carreira no Ministério Público Estadual. Atualmente, ela preside o Tribunal Regional Eleitoral e faz parte do Tribunal Pleno, a instância máxima do Poder Judiciário Estadual.
O filho de Tânia está sob tratamento médico no Hospital Nosso Lar, em Campo Grande, graças à intervenção de dois colegas de corte dela, os desembargadores Ruy Celso Barbosa Florence e José Ale Ahmad Netto.
Eles desautorizaram dois juízes de primeira instância que tinham decretado a prisão preventiva de Breno.
A primeira foi em flagrante e determinada pelo juiz Idail De Toni Filho, da Vara Única de Água Clara, no dia 8 de abril deste ano. Além da droga e das munições, o magistrado considerou o fato do engenheiro já ter sido preso com uma pistola nove milímetros poucos dias antes.
A segunda foi determinada pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Três Lagoas, Rodrigo Pedrine Marcos, que acatou pedido da Polícia Federal.
Nesta terça-feira, o jornalista Fausto Macedo, divulgou trechos das conversas entre Breno e um dos chefes do PCC, Tiago Vinicius Vieira. Ele foi até Três Lagoas para ajudar na fuga do traficante. Além de traficante, Tiago planejava assaltos cinematográficos e assassinatos de funcionários públicos, como policiais e agentes penitenciários.
De acordo com o Blog de Macedo, Breno queria vender uma submetralhadora israelense Uzi para o “amigo” preso, a quem chama pelo apelido carinho de “bicho”. O presidiário chama o filho da desembargadora de “mano”.
Apontado como portador do “Transtorno de Bordeline”, Breno se mostra preocupado em manter as aparências de bom moço diante da mãe. “Dormir eu não posso”, disse, em conversa telefônica interceptada pela PF.
“Eu tinha que ter alguma desculpa pra minha mãe também, entendeu? Se eu dormir aqui vai dar desconfiança para minha mãe. Se for o caso, eu venho amanhã, bicho”, explica-se ao criminoso, que estava preso no Presídio de Segurança Média de Três Lagoas. Dez dias antes de ser preso, Breno tinha ido até a cidade para ajudar Tiago a fugir da prisão.
O plano não deu certo e o bandido foi transferido para a Penitenciária de Segurança Máxima de Campo Grande, onde planejou fugir em junho, quando a Polícia Federal desencadeou a operação que levou ao segundo pedido de prisão de Breno.
Apesar de todas as evidências, o filho da magistrado obteve habeas corpus. Além de a mãe integrar a corte, ajudou no processo a contratação do advogado Divoncir Schreiner Maran Júnior, filho do presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Divoncir Schreiner Maran.
Além de tirar o engenheiro da cadeia, os desembargadores acataram o pedido da defesa e colocaram o caso sob sigilo. O juiz de Água Clara foi obrigado a abrir processo por insanidade, o que poderá levar a absolvição de Breno dos crimes de tráfico de drogas, porte de armas de uso proibido e organização criminosa.
Já o Maníaco da Cruz teve o pedido de internação negado pelo Tribunal de Justiça em 2013. Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ele deveria cumprir os três anos de internação e ser liberado.
Não se tem notícia da família do jovem neste período. A defesa foi feita pela Defensoria Pública, que tentou interná-lo, desde 2011, quando acabou o período de internação, em um hospital psiquiátrico, já que ele foi diagnosticado com o “Transtorno de Personalidade Paranóide”.
No entanto, o Governo sempre alegou que não havia hospital público para receber Dyonathan, que acabou sendo mantido atrás das grades.
Inicialmente, ele ficou na Unidade Educacional de Internação. Depois, foi transferido para presídio de Campo Grande, onde estuda e tem tratamento psiquiátrico.
Na última tentativa de liberá-lo, a Defensoria anexou laudo médico elaborado pelo psiquiatra Luiz Salvador de Miranda Sá Júnior, de que ele não tinha doença mental que justificava a manutenção da prisão.
Na ocasião, o desembargador Júlio Roberto Siqueira destacou que a posição do juiz de Ponta Porã, que decretou a prisão do jovem. Neste caso, ele enalteceu a autonomia do magistrado de primeira instância, que poderia divergir até do MPE para aplicar a pena mais adequada.
Os dois foram acusados por crimes com grande repercussão, mas tiveram destinos diferentes no Tribunal de Justiça. A diferença não foi a lei, a sentença do juiz ou a conclusão do inquérito policial.
Espera-se que os motivos sejam esclarecidos pelo corregedor do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), ministro João Otávio de Noronha, que pediu informações sobre a soltura de Breno Borges ao Tribunal de Justiça nesta terça-feira.
Somente após analisar as explicações dos desembargadores, ele decidirá se abre procedimento para investigar o caso.