
Mesmo com o suposto aval do Ministério Público Estadual e do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, o reajuste salarial de 66% da prefeita Adriane Lopes (PP) é ilegal e inconstitucional. O alerta é do advogado Douglas Barcelo do Prado, autor da ação popular que suspendeu aumento semelhante no mesmo mandato, quando o salário da progressista saltou de R$ 21.263,62 para R$ 35.462,27.
“Bom, independente do aval de qualquer órgão ministerial e do judiciário, temos que ter uma coisa em mente, o Pretório Excelso tem jurisprudência consolidada há anos no sentido de que o aumento do subsídio no decorrer da legislatura (que é o período de quatro anos de mandato) é inconstitucional por força da interpretação conjunta dos incisos V e VI do art. 29 da Constituição Federal, que tratam dos subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais, bem como dos Vereadores, respectivamente”, explicou o advogado.
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“Logo, ao meu ver, independente do acordo que fora realizado para a aprovação da mencionada legislação ela é flagrantemente ilegal”, destacou Prado. Em 2023, ele foi autor da ação popular que levou o juiz Marcelo Ivo de Oliveira, da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, a suspender o reajuste de 66,7% no salário de Adriane Lopes e dos secretários municipais.
Na ocasião, o juiz foi objetivo e claro de que o reajuste no próprio mandato não tinha amparo legal nem constitucional e ainda apontou jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. “Com efeito, vislumbra-se que a matéria foi decidida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez e em julgamentos unânimes, nos quais foi adotado o entendimento de que a remuneração de agentes políticos do Poder Executivo municipal deverá ser fixada pela Câmara Municipal até o final de uma legislatura para que possa vigorar na subsequente, observando-se o princípio da anterioridade da legislatura, nos moldes do art. 29, VI, da Constituição Federal”, afirmou o magistrado.
Em seguida, o então procurador-geral de Justiça, Alexandre Magno Benites de Lacerda, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade, com o mesmo objetivo. O TJMS corroborando com a decisão de primeira instância.
“Tenho que dizer também que o valor para qual o subsidio será reajustado é o mesmo que fora suspenso por intermédio de uma ação popular de minha autoria onde o MM. Magistrado de primeiro grau considerou ilegal e o próprio Ministério Público Estadual ingressou em paralelo com uma ação declaratória de inconstitucionalidade com argumentos idênticos ao utilizado em minha ação e na decisão que suspendeu os subsídios em primeiro grau, causando estranheza que este mesmo órgão tenha anuído com eventual acordo realizado para elevar os subsídios”, pontou Douglas Barcelo do Prado.
Capital pode virar terra sem lei
Agora, o presidente da Câmara Municipal, Epaminondas Neto, o Papy (PSDB), com o aval da prefeita, anunciou um acordo para dar o famoso “jeitinho brasileiro” e atropelar a legislação e a Constituição para elevar o salário de Adriane de R$ 21.263,62 para R$ 35,4 mil.
“Jamais, nosso sistema jurídico coloca a Constituição acima de qualquer acordo, logo, se há desrespeito à Constituição há nulidade flagrante e absoluta”, alertou Douglas Barcelo do Prado.
Nem a estratégia de usar a lei que elevou o vencimento para R$ 41.845 a partir de fevereiro de ano pode ser considerada legal. “Sendo criada uma nova legislação, o que pode ocorrer seria o seguinte, a nova lei revogaria a anterior, que eleva para R$ 41,8 k, e passaria a surtir efeito com flagrante nulidade podendo ser questionada judicialmente, e em caso de concessão de liminar o salário continuar nos atuais R$ 21k”, explicou o advogado.
Na prática, o acordo costurado pela Câmara, MPE e Tribunal de Justiça, transformaria Campo Grande em uma terra onde a lei brasileira não teria efeito e bastará um acordo para que a vontade dos poderosos do lugar suplente qualquer impedimento legal.

Servidores sem reajuste há 3 anos
“Isso sem falar na crise financeira reiteradamente que há tempos é propagada pela própria Prefeitura Municipal de Campo Grande”, lamentou Prado. O gasto com pessoal superou o limite prudencial determinado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Aliás, a crise, que inclusive levou a prefeita a cortar adicionais e reduzir salários de profissionais de saúde e guardas municipais, foi apontada por Adriane para suspender o salário de R$ 41,8 mil.
Caso a manobra seja levada adiante nesta terça-feira, a lei poderá ser questionada na Justiça novamente. E a briga poderá terminar no Supremo Tribunal Federal.
