O Superior Tribunal de Justiça jogou a última pá de cal e sepultou de vez a ação de ressarcimento ao erário contra o senador Nelsinho Trad (PSD) e três ex-secretários de Finanças de Campo Grande pela perda milionária causada aos cofres municipais com a liquidação do Banco Rural. A prefeitura da Capital tinha R$ 8,8 milhões aplicados na instituição financeira quando houve a intervenção do Banco Central em agosto de 2013.
A Segunda Turma do STJ foi unânime ao considerar que não houve prejuízo efetivo, mas apenas potencial, aos cofres do município; e não foi apontado dolo, porque o Ministério Público Estadual limitou-se a acusar a “negligência quanto à observância das normas constitucionais e infraconstitucionais que regem a matéria, bem como na imprudência na realização de aplicação financeira em títulos de CDB de banco privado, não securitizados e com margem de risco”.
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O MPE denunciou Nelsinho e os ex-secretários municipais de Finanças – Paulo Sérgio Nahas, Eva de Souza Salmazo e Disney de Souza Fernandes – e dois ex-diretores financeiros, Luiz Carlos Pereira e Saul Santiago Alves de Mello.
O sexteto foi denunciado pela aplicação feita em banco não oficial, o que não é permitido pela Constituição, e por improbidade administrativa porque o dinheiro ficou retido. No total, o município perdeu R$ 8,803 milhões com a liquidação extrajudicial do Banco Rural em 6 de agosto de 2013 – o valor corrigido pela inflação superaria R$ 17 milhões.
A ação já havia sido rejeitada pela 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos de Campo Grande, o que foi confirmado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. O MPE conseguiu reverter a decisão em recurso no STJ, mas a defesa de Nelsinho entrou com agravo e voltou a vencer.
Relator corrigiu voto
O relator do caso na Segunda Turma, o ministro Francisco Falcão, até chegou a negar o agravo interno, mas voltou atrás após colegas divergirem de seu voto. O magistrado relatou que o TJMS entendeu que a petição inicial não deveria ser recebida, por não estar comprovada a efetiva existência de dolo dos réus e de ocorrência de prejuízo aos cofres públicos.
Desta forma, a fundamentação utilizada para concluir pela suposta ausência de indícios da prática de atos de improbidade administrativa adentrou, substancialmente, no mérito da demanda, sem que sequer tenha ocorrido a necessária instrução processual.
“Portanto, foi prematura a extinção do processo, tendo em vista não existiam elementos fáticos ou probatório suficientes para um juízo conclusivo acerca da demanda, tampouco quanto à efetiva presença do elemento subjetivo do suposto ato de improbidade administrativa, o qual exige, em regra, a regular instrução processual”, definiu Falcão, ao negar o agravo.
O ministro Marco Aurélio Bellizze abriu divergência em relação ao voto do relator. O magistrado defendeu que a conduta dos réus não pode ser punida devido às alterações na Lei de Improbidade Administrativa, sancionadas em 2021 pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), pois não há mais previsão de condenação por ato de improbidade culposo.
“Além disso, outra questão que também impede o recebimento da ação civil pública, a meu sentir, é o fato de que o lesão ao erário Parquet efetiva , tendo em vista que houve apenas a não comprovou a existência de dos valores indisponibilidade utilizados pela Municipalidade para emissão dos CDB’s do Banco Rural, inexistindo qualquer informação, até o presente momento, de que esses valores não retornaram (ou não retornarão) aos cofres públicos”, argumentou Bellizze.
“Por essas razões, seja em virtude da imputação de conduta ímproba na modalidade culposa, seja porque não houve comprovação de dano ao erário, mas mero efetivo da Municipalidade, impõe-se a manutenção do prejuízo momentâneo acórdão recorrido que rejeitou a ação civil pública ajuizada contra os ora agravantes”, votou Marco Aurélio Bellizze para dar provimento ao agravo da defesa de Nelsinho.
Após a divergência virar o placar, como o voto de Afrânio Vilela, o ministro relator, Francisco Falcão, corrigiu seu voto, para levar analisar a ausência de imputação de conduta dolosa do réu ao realizar operação financeira com recurso municipal em banco privado e a efetiva lesão ao erário.
“O investimento de recursos públicos municipais em bancos privados pode ensejar a responsabilização por atos de improbidade administrativa mesmo com o advento da Lei nº 14.230/2021, porém, nessas situações, caberá ao Ministério Público descrever a conduta de maneira adequada na petição inicial”, discorreu Falcão.
“No caso vertente, num primeiro momento, pareceu possível efetuar a revaloração jurídica da conduta do agente, o que justificaria o recebimento da petição inicial. Mas para tal desiderato, é indispensável que a conduta esteja devidamente descrita na petição inicial, o que não se evidencia no caso vertente, já que houve a imputação de negligência e imprudência do agente”, prosseguiu.
“Assim, na fase postulatória descabe a quantificação precisa do dano causado ao erário para fins de responsabilização pela prática de ato de improbidade tipificado no art. 10 da Lei nº 8.429/1992”, fundamentou.
“No caso em apreço, as instâncias ordinárias apontaram que não houve prejuízo efetivo, mas apenas potencial, o que não se amolda ao novo conceito de dano exigido pela Lei nº 14.230/2021. O potencial dano não justifica a propositura de ação de improbidade para os fins do art. 10 da Lei nº 8.429/1992”, concluiu.
A Segunda Turma do STJ então foi unânime ao dar provimento ao recurso da defesa do ex-prefeito de Campo Grande Nelsinho Trad e negar provimento ao recurso especial do Ministério Público Estadual, em acórdão do dia 9 de abril.