Após anos de análises sobre competência entre tribunais para julgar ações derivadas da Operação Lama Asfáltica, o fantasma sobre o tema voltou à tona com nova jurisprudência criada pelo Supremo Tribunal Federal sobre foro privilegiado. Em julgamento encerrado neste mês de março, ficou definido que autoridades mantêm a prerrogativa de função mesmo após deixarem os cargos.
A Justiça Federal tomou a dianteira e já paralisou ações contra o ex-governador André Puccinelli (MDB) e aguarda para enviar ao Superior Tribunal de Justiça. Agora é a Justiça de Mato Grosso do Sul que começou a tratar do assunto. O juiz Roberto Ferreira Filho, da 1ª Vara Criminal de Campo Grande, mandou intimar a defesa do emedebista e o Ministério Público Estadual para apresentarem seus pareceres sobre a competência para o julgamento de ações penais do Aquário do Pantanal e da Gráfica Alvorada.
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As denúncias foram protocoladas em 2019, o titular da 3ª Vara Federal de Campo Grande, juiz Bruno Cezar da Cunha Teixeira, dividiu uma ação da Lama Asfáltica em outras cinco. Depois disso, a tramitação dos processos só desandou.
A primeira vitória dos réus ocorreu com a decisão da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que considerou o magistrado suspeito por ter feito mais perguntas aos acusados do que o procurador da República. O Ministério Público Federal não conseguiu reverter a decisão e todas as deliberações foram anuladas, com o processo voltando a tramitar do zero praticamente, com a juíza substituta analisando o recebimento da denúncia.
A juíza substituta Júlia Cavalcante Silva Barbosa declinou competência para a Justiça estadual sobre a ação penal por corrupção e peculato contra o ex-governador André Puccinelli e mais 14 réus pelos supostos desvios na obra do Aquário do Pantanal. O mesmo ocorreu com o processo por fraudes na compra de livros paradidáticos da Gráfica Alvorada.
No caso do Aquário, a CGU (Controladoria-Geral da União) apontou que dos R$ 105,8 milhões pagos para a empreiteira responsável pelas obras de engenharia, R$ 66,7 milhões não estavam previstos no contrato original. O órgão ainda apontou o pagamento de R$ 1,4 milhão a Proteco por serviço não executado.
Já em relação à Gráfica Alvorada, a Polícia Federal apontou que houve a contratação sem licitação de R$ 16,1 milhões. Além disso, o ex-governador André Puccinelli pagou R$ 55 milhões para a empresa de Mirched Jafar Júnior entre 2010 e 2014.
No último mês de governo, em dezembro de 2014, o emedebista fez o Estado repassar R$ 11 milhões, ou seja, 20% do total pago em quatro anos. Além disso, durante a Operação Lama Asfáltica, a Polícia Federal encontrou 47.378 livros paradidáticos estocados sem uso na Secretaria Estadual de Educação.
As ações foram distribuídas, em dezembro de 2023, à 1ª Vara Criminal de Campo Grande, a quem recai a competência para processar e julgar criminalmente os processos da Operação Lama Asfáltica no âmbito estadual.
Pouco mais de um ano depois, em julgamento virtual finalizado no último dia 11 de março, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese: “A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.
Diante disso, o juiz Roberto Ferreira Filho determinou que as partes dos processos devem se manifestar sobre a nova jurisprudência criada pelo STF.
“Considerando o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à competência para o processo e julgamento de processos envolvendo autoridade com prerrogativa de foro (HC 232.627/DF), intime-se a defesa de André Puccinelli e o Ministério Público partes para manifestação sobre o possível desmembramento, no prazo de 5 (cinco) dias. Após, tornem conclusos”, diz o despacho publicado no Diário Oficial do TJMS de sexta-feira, 28 de março.
Agora é aguardar as cenas dos próximos capítulos, enquanto o fantasma da prescrição segue firme e forte para garantir a extinção da punibilidade dos réus, ou seja, o Estado perder o direito de punir os acusados em caso de condenação porque demorou demais. O que já tem ocorrido na Justiça federal.