A decisão do Supremo Tribunal Federal de ampliar o foro privilegiado e reconhecer que autoridades mantêm a prerrogativa de função mesmo após deixarem os cargos também atingiu processo contra o ex-prefeito de Nioaque Gerson Garcia Serpa. O juiz Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini, da 5ª Vara Federal de Campo Grande, decidiu que Gerson possui prerrogativa de foro. Os crimes, porém, ocorreram na gestão de ex-prefeita, que também era ré, mas faleceu de Covid na pandemia.
Em despacho publicado no Diário de Justiça Eletrônico Nacional de 26 de março, o magistrado explica que Gerson Serpa responde pelo desvio de verbas públicas e crimes contra a lei de licitações, ocorridos no período de 31/12/2009 a 31/12/2011, enquanto era prefeito. Entretanto, no período citado, a então prefeita era Ilca Coral Domingos, que exerceu dois mandatos entre 2005 e 2012, pelo MDB.
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Quando recebeu a denúncia, em sentença de 19 de maio de 2022, o próprio juiz Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini cita a prefeita como ré no processo por ter sido a chefe do Paço Municipal. “ILCA CORRAL MENDES era prefeita do município ao tempo dos fatos e assinou, na qualidade de responsável pelo gerenciamento, os boletins de medição das TP’s 001/2011, 004/2011 e 010/2011”, informa.
Gerson Garcia Serpa, por sua vez, “assinou boletins de medição nas TP’s 002/2011, 005/2011 e 010/2011, na qualidade de responsável pelo gerenciamento, além de ter certificado a execução e conclusão da obra objeto da TP 002/2011”, relata a sentença de recebimento da denúncia.
A ação penal foi protocolada pelo Ministério Público Federal há quase oito anos, em 4 de agosto de 2017.
O MPF apontou superfaturamento, fraudes, direcionamento na licitação e desvios de recursos no projeto, que teve repasse de R$ 1,375 milhão do Ministério das Cidades para obras de drenagem pluvial e pavimentação de vias públicas em Nioaque.
Gerson Serpa foi eleito prefeito de Nioaque em 2012 e assumiu o mandato no ano seguinte. Já Ilca acabou morrendo em decorrência da Covid-19 em 6 de abril de 2021, no auge da pandemia, e depois foi decretada a extinção de sua punibilidade.
Em julgamento virtual finalizado no último dia 11 de março, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese: “A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício”.
De acordo com o juiz Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini, a decisão fez constar, expressamente, que esta interpretação deve ser aplicada imediatamente aos processos em curso, ressalvados todos os atos praticados pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior.
“Embora o Acórdão ainda não tenha sido lavrado, já houve a publicação da ata de julgamento, de modo que a decisão é apta à produção dos seus efeitos”, afirma o magistrado.
“No caso dos autos, foi imputado a GERSON GARCIA SERPA a prática de crimes supostamente cometidos durante o exercício e em razão de suas funções como Prefeito de Nioaque-MS”, relata o juiz. “Desta forma, o acusado possui prerrogativa de foro, conforme art. 29, X, da CF/88”.
Diante disso, o juiz Luiz Augusto Iamassaki Fiorentini decidiu que, como se trata de crime cometido da órbita federal, o processo deve ser remetido ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região.
“Não é o caso de desmembramento para que aqui remanesça, neste momento, o processo em face das pessoas sem foro por prerrogativa de função, porque há evidente conexão intersubjetiva, prevista no art. 76, inc. I, do CPP, diante da co-participação das pessoas sem prerrogativa de foro, bem como pelo entendimento firmado pelas cortes superiores no sentido de que incumbe a elas decidir, ou não, por eventual desdobramento”, argumenta. “Pelo exposto, determino a remessa dos presentes autos ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região”.