Em uma maca no corredor no pronto socorro da Santa Casa, o aposentado Raul Gonçalves dos Santos, 77 anos, tenta suportar as dores terríveis na perna direita com problemas de circulação. No mesmo corredor em outra maca, a diarista Neir Alves da Silva Santana, vítima de acidente de motocicleta, está há 24 horas em jejum a espera de uma cirurgia.
Essas são as histórias dos 52 doentes amontados em um espaço com capacidade para 13 do PS do maior hospital do Centro-Oeste, que enfrenta uma das maiores crises da sua história. Sem insumos e materiais ortopédicos, a instituição suspendeu as cirurgias e registrou boletim na Polícia Civil de que 70 pacientes podem morrer ou sofrer sequelas.
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A esperança para retomar a normalidade no atendimento era o repasse de R$ 46,3 milhões pela Prefeitura Municipal de Campo Grande, referente a uma ação que cobre prejuízo ocorrido em decorrência do corte no repasse durante a pandemia. O hospital ganhou o direito ao dinheiro no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, mas o município apelou ao Superior Tribunal de Justiça.
Morosa como é a Justiça brasileira, o processo ainda não transitou em julgado. No entanto, diante da gravidade do quadro, o hospital apelou e conseguiu liminar do juiz Marcel Andrade Campos Silva, da 3ª Vara de Fazenda Pública, que mandou a prefeitura pagar em 48 horas.
Só que a prefeita Adriane Lopes (PP), primeira mulher eleita na história da Capital, não quer pagar e recorreu ao Tribunal de Justiça para não repassar o dinheiro ao hospital. O recurso está nas mãos do ex-presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Sérgio Fernandes Martins.
Enquanto isso…
Enquanto ninguém faz nada para tentar solucionar o caos e tirar a saúde da Capital do colapso, os pacientes sofrem e choram nos corredores do hospital. Raul conta que amputou a perna esquerda em um acidente de trabalho na construção civil. Agora, ele teme ser obrigado a amputar a outra perna.
Sofrendo com as dores há dois meses, o aposentado deu entrada na Santa Casa na manhã de ontem. Devido as dores, ele só dorme sentado e se queixa que as dores são insuportáveis. Enquanto aguardava o resultado do exame de tomografia, ele clamava aos céus pelo remédio para amenizar a dor.
Apesar da situação, de estar em um corredor lotado e sem qualquer conforto, o aposentado se mostrava grato por estar seguro e sob supervisão médica. “A dor não passa, essa dor me incomoda”, lamentava-se.
O aposentado chega a encher os olhos de lágrimas ao prever o pior, a amputação da perna direita. “Com uma perna, eu consigo fazer as coisas, não gosto de ficar parado”, queixava-se.
A poucos metros, no meio de outros pacientes e gritos, a diarista Neir aguardava por uma cirurgia. Ela contou que chegou ao hospital na tarde de quarta-feira (26) e estava em jejum até ontem à tarde, a espera da cirurgia. Devido ao jejum, ela sentia tontura ao ir ao banheiro.
Adriane não quer pagar hospital
Já a prefeita Adriane Lopes recorreu ao Tribunal de Justiça para não pagar os R$ 46,3 milhões. “Ora, está-se falando de mais de QUARENTA MILHÕES DE REAIS, apenas, para um único hospital, quando se sabe que os Municípios têm responsabilidades constitucionais que abarcam variados direitos”, pontuou a procuradora Vivian Moro.
“O direcionamento de tal verba, sem previsão orçamentária, sem trânsito em julgado de decisão judicial, extirpa a previsão constitucional quanto ao pagamento da dívida após inclusão no orçamento e através do Precatório”, argumentou, no pedido feito ao Tribunal de Justiça. Enquanto alguns sofrem e outros podem morrer por falta de atendimento, a prefeita quer incluir o dinheiro no precatório.
“Portanto, a decisão judicial, permissa vênia, ainda que sensível aos problemas do hospital não pode ignorar as normas processuais e constitucionais acerca das dívidas, supostamente, devidas pela Fazenda Pública”, ressaltou o município.
“E, se de fato, o hospital está em déficit, a responsabilidade não é apenas do Município de Campo Grande, mas da União e do Estado, também responsáveis pelos repasses. E nesse diapasão, saber se há realmente débito no hospital, perfilha por caminhos mais longos, como auditoria da Controladoria Geral da União, haja vista que os REPASSES realizados pelos três Entes Públicos não estão atrasados. Não se trata de um único fato”, afirmou.
Além do pronto socorro lotado, a Santa Casa alegou, em boletim de ocorrência na Polícia Civil, que 70 pacientes precisam de cirurgia, mas faltam insumos e materiais. A instituição alertou que o risco é de morte ou sequela.
Na Câmara Municipal, vereadores começam a articular a criação de CPI da Santa Casa ou da Saúde para tentar encontrar a causa e apontar soluções para o problema.